25.5.06

As mulheres e o futebol


Pelas causas, a imaginação tem momentos arrebatadores. Um génio qualquer puxa lustro à lâmpada de Aladino e, num passe de magia, a solução milagrosa esparge-se, de supetão. Agora que uma campanha importantíssima para o brio nacional(ista) se aproxima – o campeonato do mundo de futebol, que, consta, vamos ganhar – das cartolas dos curandeiros de imagem saiu o último coelho mágico. Depois das bandeiras semeadas em varandas e janelas do casario lusitano, agora a palavra de ordem é mobilizar o sexo feminino em torno da “selecção de todos nós”.

Há dias entrámos para o Guiness à custa da santa aliança entre futebol e mulherio. Formámos a maior bandeira humana alguma vez criada. Quinze mil senhoras espalhadas no relvado do Estádio do Estado Novo, para animar a malta que há-de andar aos pontapés na bola dentro de dias, na Alemanha. E para espicaçar o brio nacional, que nestas alturas desperta da longa hibernação. É de vir às lágrimas – de emoção, de emoção! – ver a bandeira pacientemente edificada com quinze mil mulheres envergando capas vermelhas e verdes. Não há insensibilidade nacionalista que não se comova com a manifestação de fervor patriótico. Com o alto patrocínio das autoridades, como convém: ter a turba pacificada em torno de um “desígnio nacional” é o truque para esquecer outras misérias da governação (e não são poucas).

As tentativas de entrada no Guiness deixam-me desorientado. Para além do brio pessoal de quem se aventura em façanhas individuais premiadas com a entrada no livro dos recordes, mesmo que à custa de bizarrias impensáveis, estes marcos históricos têm muito de terceiro-mundista. Não me dei ao trabalho de investigar o livro de recordes. Mas aposto que as façanhas que lá aparecem devem ter origem sobretudo em países do terceiro mundo. Que nos queiramos alistar nestas fileiras, diz muito de como somos pacóvios e, quem sabe sem dar conta, nos auto-diminuímos ao ponto do nosso abrigo ser o grupo do terceiro mundo. Porventura é só o espelho do que somos.

De regresso à campanha de sedução do sexo feminino pela selecção de Portugal. Parece-me que há aqui uma campanha orquestrada dos expoentes do marialvismo doméstico. Os homens sabem que em ano de esperado torneio de futebol, as caras metade andam esbaforidas, antecipando a injecção de futebol que vão apanhar pela frente. Para algumas será boa nova: essas até desejariam que competições deste tipo se repetissem todos os anos, para não aturarem o incorrigível marido que lá anda por casa. Para estes casos, aconselhamento matrimonial. Para os outros casos, as senhoras percebem que o futebol entre nações lhes rouba a companhia do homem amado. Mais tempo dedicado a futebol, ao cubo: a maratona de jogos e a discussão do rescaldo nas tabernas e mesas dos cafés com os compinchas. Mais tempo para o futebol, ainda menos tempo para dedicar atenção às excelsas esposas.

Ora se o problema está instalado, e se não se equaciona terminar com o império do futebol – ninguém deseja uma rebelião em massa – a forma de dar a volta ao problema é aliciar as mulheres para o campeonato. Por sorte, a equipa de Portugal está na fase final. Ficássemos pelo caminho e mais desavenças conjugais consumiriam o final de Primavera de muitos casais. Querendo a “selecção das quinas” (expressão de gosto duvidoso…) mostrar que é melhor que todas as rivais, as mulheres têm que se empenhar no mesmo espírito de conquista. Afinal não são apenas os maridos que têm orgulho na portugalidade. Elas também fazem parte das levas de “ínclitas gerações” que souberam construir o garbo pátrio.

Trazê-las para o futebol é meio caminho andado para um ambiente conjugal mais saudável. Daqui a uns anos há-de haver um cientista social que vai descobrir que a taxa de divórcios desceu estrondosamente. Com outra vantagem: agora vale a pena estar atento às imagens que passam no intervalo dos jogos. É o zénite de um jogo de futebol (até porque o futebol está cada vez mais desinteressante, com as tácticas defensivas, a apologia do anti-jogo e os clones de Mourinho por aí semeados). Seguir as câmaras que farejam à distância os belos exemplares do sexo feminino espalhados pelas bancadas, quantas vezes trajando pouca roupa, é o melhor do futebol.

Por tudo isto, o aplauso aos inventores da estratégia de sedução das mulheres, tentando conciliá-las com o (mais outro lugar comum) “desporto rei”!
Post-scriptum – Não há bela sem senão: há dois anos, a visão dantesca da “primeira-dama” envergando um top com as cores da bandeira. Cenário fantasmagórico que se adivinha: a equipa nacional com um sucesso retumbante, até à final do torneio. Razão de Estado para a deslocação do presidente da república para ver o jogo da final. Teremos a nova “primeira-dama” trajando um juvenil top verde-rubro?

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