Por vezes intrigo-me como as revistas cor-de-rosa têm tanto sucesso. Interrogo-me: qual o interesse de notícias sobre os aspectos mais mundanos da vida de personagens que, no momento, irromperam no estrelato social? Quais os mistérios que conduzem a curiosidade pela vida alheia? Como se fosse tão importante saber que fulano, recém-casado com sicrana, teve uma lua-de-mel deslumbrante num local paradisíaco. Ou que um actor de telenovela tropeçou ao sair do centro comercial e a indiscreta câmara fotográfica lá estava, em cima do acontecimento, no registo para a posteridade.
A estranheza com o fenómeno das revistas cor-de-rosa desfaz-se quando, olhando em redor, se percebe como aspirantes à popularidade social se põem em bicos de pés. Desdobram-se em atenções oportunistas, estendem a passadeira vermelha aos contactos certos no momento certo. Sabem que essa é a condição para franquearem os portões do estrelato. Quando vêm do nada e ascendem ao cintilante néon social, o expoente máximo que cativa a atenção de uma turba de aspirantes que, no seu íntimo, congemina a mesma escalada. As revistas cor-de-rosa resumem-se a isto: alimentar sonhos de ascensão social, aspirações de reconhecimento público pela imagem. Podem ser personagens imersas na mais completa das vacuidades. Isso não interessa.
Contaram-me pormenores deliciosos de uma personagem que é o exemplo acabado deste arrivismo social. Com a agravante de vegetar no limbo do arrivismo social há duas décadas. Tem uma aura de figura sebastiânica, alimentada por conveniências políticas. É uma espécie de prometida figura salvífica, aquele que esconde em si uma varinha mágica capaz de mudar o rumo dos acontecimentos, para retirar a economia da letargia em que se encontra há tanto tempo. Nem interessa que já tenha sido ministro das finanças: aliás, a aura que teimam em colar-lhe (uma certa imprensa estranhamente enfeitiçada pela figura; e certos figurões que o colocaram no altar dos senadores da nação) explica-se pela imagem que auto-cultiva – um excelente ministro das finanças, ainda que a biografia se esqueça de revelar a sorte de o ter sido quando os ventos da economia sopravam bonançosos.
Saiu da política envolvido num escândalo de vícios privados, ou de como os arrivistas sociais querem ir ao pote de uma vez só. No tempo em que aproveitou as benesses da sinecura, ficou conhecido pela ostentação social que ele e a consorte espalharam pela Lisboa que lhes era estranha. Desembarcados do norte, no afã de pulularem na nata social lisboeta, entregaram-se a tiques parolos. Pesporrência e arrogância a rodos. Misturada com um ar blasé, a imagem de uma sofisticação inalcançável.
O tirocínio político foi curto. Encostado à parede pelo escândalo denunciado por um jornal, a demissão era inevitável. Um rude golpe que ainda hoje não perdoou ao primeiro-ministro que o escolheu. Consta que este é outro dos predicados da personagem: cuspir constantemente na sopa que lhe deram a comer. Tem o desplante de acusar o tal primeiro-ministro de ser o “pai do monstro” – como se ele não tivesse sido ministro das finanças de um dos governos que concebeu esse monstro. Mais tarde aceitou um lugar de relevo num banco e desdenhava publicamente de quem lhe ofereceu a prebenda.
De regresso ao norte natal, vinha de peito cheio. O estágio em Lisboa dera-lhe arcaboiço social que o distinguia entre os pacóvios nortenhos que cerziam a passadeira social local. Ter sido governante era o lastro necessário para o relevo entre os demais inúteis que gravitam nesta feira de vaidades. Foi cimentando o seu lugar entre os patriarcas do alegado jet set da paróquia. Ao que acrescentou o lugar, que foi pacientemente edificando, de reserva moral da nação, sempre pronto a perorar com eloquência do Porto vigilante.
Hoje, contam-me, afastado de sinecuras, dedica-se a atrair o socialite nortenho a um restaurante que o filho abriu. Aos sábados ao jantar, ele e a pindérica consorte sentam-se numa mesa central do restaurante e distribuem acenos de cabeça, sorrisos e cumprimentos discretos pela clientela que experimenta o restaurante. O mundo tem destas coisas: de como prometida figura sebastiânica, afastada dos palcos que esteve habituado a frequentar, se dedica a promover a imagem do restaurante do filho. Não há surpresa nisto: ontem como hoje, só soube cultivar a imagem. Nada mais do que a imagem. A turba de seguidores, os aspirantes a algum dia serem algo de parecido com o que esta avestruz conseguiu ser, contenta-se com os pozinhos mágicos aspergidos pelo culto da imagem. Sabe-lhes bem o repasto, por terem como aperitivo um cumprimento afável de tão importante personagem.
Nestas alturas apetece-me ser comunista.
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