24.5.06

Entregues à bicharada


O bicho é enternecedor. O lobo, expoente da vida selvagem que encontramos nas serranias do norte. Está em extinção. Daí que mereça a protecção das autoridades. Ai de quem se aventure em maus-tratos a um lobo – crime de lesa-majestade. E até quando a alcateia esfomeada desce à aldeia e entra nos currais e nos galinheiros para se saciar, o Estado (todos nós, supostamente…) não hesita em pagar compensações aos proprietários afectados. Acho bem que se espalhe a pedagogia que repudia os maus-tratos a animais. Faz ainda mais sentido quando os animais correm risco de extinção.

Mas tudo tem um limite. Soube há dias, por notícia no Expresso, que a auto-estrada entre Vila Real e Chaves vai sofrer um desvio não programado, nas cercanias da Serra do Alvão, para não afectar o habitat de sete lobos. Coisa para custar a módica quantia de cem milhões de euros. Já foram várias as vezes que escrevi em defesa dos direitos dos animais. Já fui acusado de tecer loas aos animais e de desconsiderar o ser humano, pois parece que dou primazia aos animais e relego a pessoa para plano secundário. Quando li esta notícia fui tomado pela incomodidade: gastar cem milhões de euros para desviar a auto-estrada do habitat de sete lobos é um luxo que nem sequer países mais ricos ousam cometer.

Gostava de ser elucidado por um biólogo – um biólogo imparcial, sem estar acometido pelo dogmatismo ambientalista – porque motivo a construção da auto-estrada pode levar à extinção dos lobos. A ideia que passa é a de que os lobos, habituados ao seu território, estão condenados a morrer se o habitat for invadido – primeiro pela maquinaria pesada que constrói a auto-estrada, depois pelo bulício de automóveis em alta velocidade. Será que os lobos não têm capacidade de adaptação? E se acaso por lá aparecesse um predador que pusesse em risco a sua sobrevivência, os lobos não tinham o instinto de mudar de território? Parece redutora a ideia de que os lobos ou vivem confinados àquela parcela de terreno, ou morrem. E sinal de um fundamentalismo ambiental que faz mossa: como se o lobby ambiental quisesse vincar a sua posição, para que as pessoas percebam que o seu poder é imenso. Ainda que infundamentado e irracional.

Também importa perceber quem errou ao projectar a auto-estrada. Quando se sabe que a União Europeia (generosa financiadora destas obras) impõe requisitos apertados em termos ambientais; quando seria de esperar que na fase do projecto, quando se define o local por onde passa a auto-estrada, os projectistas se certificassem se havia impedimentos ambientais; como justificar a obra em cima do joelho? O preço é elevado: mais cem milhões de euros. Que todos suportamos, pagadores de impostos sem possibilidade deles fugirmos. Os (ir)responsáveis que não foram a tempo de descobrir que naquele sítio havia uma alcateia continuam impunes, prontos a projectar outra obra, preparados para causar mossa nos dinheiros públicos.

Um autarca local (de Vila Pouca de Aguiar) insurgia-se contra o desperdício. Protestava, dizendo que o município vive à míngua, não pode satisfazer necessidades básicas das populações locais. Dava o exemplo das gentes isoladas na serra do Alvão, sem acessibilidades decentes, sem saneamento e fornecimento de água. E indignava-se com a desigualdade que a factura de cem milhões de euros representa. Para proteger sete lobos há dinheiro; para necessidades básicas de um punhado de pessoas que já tem uma vida difícil no meio da serra, o orçamento de Estado é um mar de dificuldades, portas que se fecham de par em par. O autarca tentava desmascarar o ridículo da situação com um cálculo: proteger cada lobo vai custar quase quinze milhões de euros. Lobos de luxo, mais caros que um jogador de futebol!

Eu fazia os cálculos de outra forma. Proteger aqueles lobos vai custar doze euros e meio a cada contribuinte (seremos quase oito milhões). Porventura é este o cálculo que convém aos extremosos ambientalistas convencidos da bondade do desvio da auto-estrada. É mais cómodo dizer, entre a falácia das médias, que a factura não pesa tanto quando dividida por cada contribuinte. Doze euros e meio: fardo suportável. Dourar-se a pílula, afastando o dantesco cálculo do presidente da câmara de Vila Pouca de Aguiar. Não fico convencido. É mais uma factura que temos que pagar, o que me faz chorar o dinheiro que me roubam, ao fim de todos os meses, a título de impostos. Já que os temos que pagar (o que é discutível, mas enfim…), que as despesas que os impostos financiam não sejam absurdas. Estes cem milhões de euros que vêm encarecer a auto-estrada são uma despesa absurda.

Estamos entregues à bicharada. Literalmente.

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Estou inteiramente de acordo. O nosso Estado gasta o NOSSO dinheiro como um milionário devasso e desvairado e nós estamos sujeitos aos caprichos de poderes sem nome e sem legitimidade democrática e pela obediência ao cego ao politicamente correcto. A fotografia do lobo (bonita, por sinal) é um pouco enganadora: a bicharada a que "estamos entregues" não é a dos lobos de 15 milhões de euros. Essa não tem rosto, mas aposto que usa pele de cordeiro e que é muito mais feia.