Uma organização não governamental (cujo nome não retive na memória) publicou um relatório sobre corrupção no mundo. Portugal é motivo de orgulho. Como a última condenação por corrupção data de 1984, podemos considerar que somos um país limpo. Um exemplo para todos os lugares onde a corrupção grassa, endémica, falseando resultados, enriquecendo uns à custa de tantos, desvirtuando a ética nas relações humanas.
Este relatório é uma pedrada no charco. Uma lição para velhos do Restelo que insistem em ver porcaria em todo o lado. Arautos da teoria da conspiração no seu expoente máximo, estes desconfiados metódicos dizem que a corrupção está enraizada nos hábitos – desde a grande corrupção, que move avultadas quantias, passando pelo tráfico de influências, terminando na comezinha pequena corrupção, feita de pequenos favores que são pagos, e com juros, mais tarde, da palmadinha nas costas pois “ tudo se arranja”. A organização não governamental mostrou ao mundo – e, a começar, aos nativos lusitanos – que a corrupção foi varrida do mapa há vinte e dois anos. O nirvana!
Os que desconfiam que as decisões do governo são alimentadas por generosas compensações financeiras que correm debaixo da mesa; os que denunciam a corrupção instalada nos municípios, onde a construção civil enriquece autarcas com um espólio que nem um primeiro prémio na taluda permitiria; os que acreditam que os resultados no futebol são fruto de tráfico de influências, com imensos actores à mistura, farto dinheiro distribuído por “empresários”, presidentes de clubes, árbitros e sabe-se lá quem mais; quando se pensa que a atribuição de subsídios às empresas (sempre de mão estendida à espera da generosidade estatal) é feita ao empresário que conhece o primo da mulher do assessor do ministro; aos que estão convencidos que no mundo da susbsídio-dependência por excelência – a cultura – as verbas vão para os amigos, para os comparsas partidários, para os artistas a quem é conveniente subsidiar; estes cépticos foram derrotados com o relatório da organização não governamental. Eles só conseguem nutrir suspeitas. Os factos desmentem-nos. Estão errados. Este é um país de invejável condição.
Itália, por exemplo, devia pôr os olhos em nós. Ao covil da corrupção, a pátria da máfia, oferecemo-nos para ensinar como ter sucesso com uma operação que varre a corrupção do mapa. As operações “mãos limpas” que trouxeram um poder desmesurado à magistratura italiana não passam de uma encenação. Itália continua a ter condenações por corrupção. E quando alguns dos juízes que estiveram no epicentro da moralização da política e dos negócios se deixaram seduzir pela política, eis a prova de como a corrupção não foi banida. Têm que aprender com Portugal. Não cansa repetir: desde 1984 nenhum tribunal profere sentença condenando alguém por crime de corrupção.
Abafem-se as vozes dos que mostram curiosidade em ir mais longe na exegese da situação. Teimosos, continuam a mostrar a sua desconfiança. Continuam firmes na convicção de que a história está mal contada. Tentam esgravatar no lodaçal e encontrar explicações nas camadas mais profundas do lodo. Dirão: é verdade que desde 1984 não há condenações por corrupção, porque é dos crimes mais difíceis de provar. Ora porque não deixa vestígios – o crime consuma-se em dinheiro vivo, que não deixa pistas –, ora porque os proventos materiais ficam registados na prole e adjacências, nunca no nome do corrupto. O problema mantém-se: como se prova a suspeita? O pessoal do Direito estará na linha da frente para nos relembrar o axioma que responde às dúvidas: não se pode condenar ninguém sem prova consistente do crime. Na dúvida, vence a absolvição. E se desde 1984 não há condenações por corrupção – não me canso de o repetir à exaustão, tanto o orgulho que isto me causa – é porque não há corrupção. Sem discussão.
Por uma vez, estamos no topo dos rankings que comparam a performance dos países. Na maior parte das vezes, as notícias sobre estes rankings não são famosas para a auto-estima nacional: é preciso ler o ranking de cabeça para baixo para estarmos nos lugares cimeiros. O da corrupção veio desmentir que somos um país desgraçado. Com a vantagem adicional: estamos a falar do comportamento humano. Com este ranking, o orgulho supremo de sermos uma lição para os demais povos. Somos mais íntegros. Um exemplo de ética. Características que são incomensuráveis. De valor inestimável. Muito mais valioso do que PIB per capita, ou taxas de desemprego, ou níveis de escolaridade, ou índices de criminalidade. Um país por excelência!
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