2.5.06

Gerontocracia sindical

Imagem recorrente, ano após ano. Os festejos do 1º de Maio, a relembrar que os direitos dos trabalhadores foram uma das conquistas civilizacionais que mais orgulham a humanidade. Os desfiles pelas avenidas da liberdade, a sublinhar a osmose entre liberdade e conquistas dos trabalhadores. A reforçar a ideia que o capital oprime. Para coroar as celebrações, discursos solenes dos líderes sindicais. E ano após ano, as mesmas caras. Com uma diferença: o peso do tempo também se abate sobre os incansáveis sindicalistas. Caras envelhecidas, menos fulgor nas festividades, que a energia de outrora foi ficando gasta nas folhas do calendário já dobradas.

Ver as caras que encimam o palco dos comícios sindicalistas, hoje como há dez, quinze ou vinte anos, traz uma sensação de dejá vu. Com a diferença das rugas que se adensam, dos cabelos brancos que ganham território capilar, ou da manta capilar caída com as agruras da função sindical; tirando a marca do tempo que segue a sua marcha inexorável, as mesmas caras repetidas, escassa a renovação do dirigismo sindical. O palanque de celebridades do sindicalismo, no ano de 2006, era a amostra do anacronismo sindical que teima em ser protagonista. No anonimato dos figurões que ladeavam os mediáticos líderes das duas centrais sindicais, ninguém com menos de cinquenta anos.

A falta de sangue novo é uma boa notícia (para quem vê nos sindicatos uma das principais forças do atraso em que estamos mergulhados). Porque esta gerontocracia há-de envelhecer mais ainda. Há-de chegar o momento da reforma dourada. À medida que estes efectivos do sindicalismo lusitano forem sendo abatidos, o panorama sindical enfrentará a desertificação. Os sindicatos hão-de aparecer com menos assiduidade a perorar sobre o que não sabem, ou a reivindicar coisas impensáveis que, a prazo, teriam a factura pesada de liquidar postos de trabalho (no paradoxal efeito de contrariar os interesses de quem supostamente os sindicatos são guardiães).

As caras que se repetem nos palanques do 1º de Maio, que se desdobram em declarações fátuas à frente das câmaras da televisão quando a comunicação social dá voz desmesurada aos sindicatos, essas caras são sempre as mesmas. Envelhecidas. Pergunto-me se a ausência de jovens (ou não tão idosos) nos sindicatos não é a imagem do monopólio da gerontocracia instalada. O poder dos sindicatos está vedado aos mais jovens, porque os habituais dirigentes se acostumaram às mordomias de quem se refastela na posição de dirigente sindical – uma ociosa forma de vida. Se as caras repetitivas dos sindicatos dessem lugar às gerações mais novas, teriam que voltar a trabalhar a sério. Eis o maior incentivo à perpetuação no poder que agrilhoou esta gerontocracia ao poder sindical.

Se for verdade que os jovens não dão a cara em nome do sindicalismo pelo boicote que os mais velhos fazem, o horizonte já não é tão brilhante. O abate das actuais baleias do sindicalismo trará a renovação. Não está em causa a renovação do sindicalismo, no que ela pode significar de positivo no refrescamento da forma de exercer sindicalismo. As más notícias estão na possibilidade do sindicalismo se renovar. No sangue, mas não na retórica, a atestar pela continuidade das gerações mais novas, e mais politizadas, no que de pior lhes foi legado pelas gerações anteriores. Se houver apenas renovação de sangue sem renovação de mentalidades, de discurso e de prática, os sindicatos hão-de continuar a ser as mesmas forças de atraso.

Olho para as imagens que passam na televisão. Para a idade avançada de todas as caras que se escondem detrás dos mediáticos líderes das centrais sindicais. Nem dou conta do que dizem, coisa desinteressante por decerto estarem a bater nas teclas de sempre, deslocados da realidade. Olho para as caras que desfilam e dou comigo a especular na hipótese de uma espécie de CPE francês ser proposto por um governo. Adivinho a gerontocracia sindical dividida entre dois hemisférios. Um, politicamente correcto, denunciava o atentado aos direitos adquiridos, sintoma da “precarização” do trabalho que tanto os preocupa. O outro hemisfério exultava com a medida. Punha a sua geração a cobro da concorrência dos mais jovens, que teriam que passar pelo crivo da excelência de desempenho para vingarem no mercado laboral. Algo que a eles nunca foi exigido.

O sucedâneo do CPE francês seria a maior dádiva que esta gerontocracia sindical poderia algum dia receber.

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