Ontem tivemos direito a desenjoar da imagem repetitiva do “comendador Berardo”. Em vez do ar modernaço, que tão bem emparelha com o aspecto da despenteada ministra da cultura, o “comendador” aperaltou-se com camisa engomada e gravata discreta. A solenidade exigi-lo-ia, decerto, ou não fosse dia de inauguração do museu Berardo. Ou não fosse, segundo o veredicto de diversos especialistas, o dia em que Berardo lacrou com chave de ouro mais um negócio da China. Só que desta vez, ainda segundo os tais analistas, somos todos nós, contribuintes, que alimenta o lucro do “comendador”.
Berardo estava, donairoso e embevecido, ao lado do timoneiro. O protocolo exige respeito pelas hierarquias. Ao timoneiro a palavra em primeiro lugar, com o consentimento respeitoso do “comendador”. Não houve surpresas no discurso de circunstância, em resposta às perguntas da jornalista, às perguntas que pareciam estudadas com a habitual precisão cirúrgica que a imagem do primeiro-ministro impõe. Sua excelência sentenciou: Lisboa passa a pertencer ao roteiro cultural europeu, que até agora parava em Madrid. Porventura distraída – e não há-de apanhar um puxão de orelhas das chefias? – a jornalista da RTP cometeu um deslize ao informar que alguns especialistas já vieram a público anunciar que a colecção Berardo não está sequer entre as cinquenta maiores da Europa.
Os que se insurgem contra os velhacos do Restelo (categoria em que me hei-de incluir - Velhacos do Restelo, bem entendido) dirão que os abutres do costume não perdem oportunidade para tripudiar a grandeza pátria. Daqui acalmo a fúria patrioteira: não se trata de desmerecer a obra, apenas de a colocar no seu devido lugar. Se os especialistas não põem a colecção Berardo entre as cinquenta maiores da Europa, porque há-de, triunfante, o timoneiro da pátria tecer loas excessivas e engrandecer o papel cultural de Lisboa sem haver razões para tal? A menos que o timoneiro seja um conhecedor da poda.
Há alguma razão nos que se incomodam com os arautos da desgraça, que reduzem a portugalidade à expressão da insignificância? Concedo, há – e, repito, sou dos tais velhacos do Restelo com um pérfido gosto em zurzir os garbosos feitos da pátria. Mas quando vejo exultações por grandezas fátuas, por feitos que só no subconsciente dos fracos aparecem como homéricas obras, é de provincianismo que se trata. Não aprendemos a conviver com a expressão de pequenez a que fomos acantonados depois da perda do império. Queremos, à viva força, rivalizar com os grandes, quando a distância que nos separa é inalcançável. À medida que a poeira da excitação assenta e chega a introspecção da pequenez, as dores são maiores.
O “comendador” teve a palavra a seguir ao timoneiro. Jactante mas boçal, como sempre. A jornalista, no segundo deslize que perturbou a sumptuosidade da cerimónia, interrogou o mecenas: afinal, fez ou não um negócio da China com o incauto governo? O engravatado Berardo, meio atrapalhado, negou. Que tinha sido um mau negócio para ele, por ter cedido às pressões do Estado. Meio atrapalhado na resposta, sem dar para perceber se os pés pelas mãos apenas espelham a boçalidade congénita ou se havia ali uma resposta genuína. Neste caso, dir-se-ia que Berardo foi um diplomata por excelência. Como ao seu lado estava o timoneiro e a desgrenhada ministra da cultura, ficava-lhe mal anuir naquilo que os especialistas são consensuais em diagnosticar: o museu Berardo foi uma negociata para ele e um péssimo negócio para o Estado.
A gravata que apertava o pescoço do “comendador” não disfarçava a pesporrência: rematou a entrevista anunciando que condescendeu no mau negócio em homenagem à cultura. Um mecenas é um mecenas. Mas o homem de negócios não se sobrepõe à qualidade de mecenas? Por estes dias vamos estando habituados a ver Berardo cintilando uma imagem de generosidade: foi a OPA ao Benfica (para fazer do Benfica o quê, se já todos sabemos que é o “maior clube do mundo”?), agora é a jóia da coroa, com a exposição da sua colecção, que fica à disposição do grande público em vez de continuar encafuada, e a ganhar mofo, numa cave escura.
No final, foram todos à sua vida. Todos sorridentes, dando a indicação de que todos estão contentes com o negócio. Berardo terá ganho – e os analistas parecem consensuais na conclusão. Pelo ar feliz do primeiro-ministro e da despenteada ministra da cultura, o “país” também terá conquistado a sua quota triunfal. Resta saber quem é o “país”: se a imagem do país, nem que seja contra a factura elevada que daqui a dez anos será paga (mais de trezentos milhões de euros para uma das contas bancárias do “comendador”, quantia que, dizem outra vez os especialistas, sobreavalia a colecção Berardo); ou se apenas a cosmética dos actuais governantes, tão preocupados com sucessivos face lifting que garantam reeleição futura.
Por fim, soubemos que Berardo não tem no armário apenas a fardamenta do costume – fato escuro e t-shirt preta. Também há gravatas, que às vezes convém alindar a imagem com um pouco de verniz.
Berardo estava, donairoso e embevecido, ao lado do timoneiro. O protocolo exige respeito pelas hierarquias. Ao timoneiro a palavra em primeiro lugar, com o consentimento respeitoso do “comendador”. Não houve surpresas no discurso de circunstância, em resposta às perguntas da jornalista, às perguntas que pareciam estudadas com a habitual precisão cirúrgica que a imagem do primeiro-ministro impõe. Sua excelência sentenciou: Lisboa passa a pertencer ao roteiro cultural europeu, que até agora parava em Madrid. Porventura distraída – e não há-de apanhar um puxão de orelhas das chefias? – a jornalista da RTP cometeu um deslize ao informar que alguns especialistas já vieram a público anunciar que a colecção Berardo não está sequer entre as cinquenta maiores da Europa.
Os que se insurgem contra os velhacos do Restelo (categoria em que me hei-de incluir - Velhacos do Restelo, bem entendido) dirão que os abutres do costume não perdem oportunidade para tripudiar a grandeza pátria. Daqui acalmo a fúria patrioteira: não se trata de desmerecer a obra, apenas de a colocar no seu devido lugar. Se os especialistas não põem a colecção Berardo entre as cinquenta maiores da Europa, porque há-de, triunfante, o timoneiro da pátria tecer loas excessivas e engrandecer o papel cultural de Lisboa sem haver razões para tal? A menos que o timoneiro seja um conhecedor da poda.
Há alguma razão nos que se incomodam com os arautos da desgraça, que reduzem a portugalidade à expressão da insignificância? Concedo, há – e, repito, sou dos tais velhacos do Restelo com um pérfido gosto em zurzir os garbosos feitos da pátria. Mas quando vejo exultações por grandezas fátuas, por feitos que só no subconsciente dos fracos aparecem como homéricas obras, é de provincianismo que se trata. Não aprendemos a conviver com a expressão de pequenez a que fomos acantonados depois da perda do império. Queremos, à viva força, rivalizar com os grandes, quando a distância que nos separa é inalcançável. À medida que a poeira da excitação assenta e chega a introspecção da pequenez, as dores são maiores.
O “comendador” teve a palavra a seguir ao timoneiro. Jactante mas boçal, como sempre. A jornalista, no segundo deslize que perturbou a sumptuosidade da cerimónia, interrogou o mecenas: afinal, fez ou não um negócio da China com o incauto governo? O engravatado Berardo, meio atrapalhado, negou. Que tinha sido um mau negócio para ele, por ter cedido às pressões do Estado. Meio atrapalhado na resposta, sem dar para perceber se os pés pelas mãos apenas espelham a boçalidade congénita ou se havia ali uma resposta genuína. Neste caso, dir-se-ia que Berardo foi um diplomata por excelência. Como ao seu lado estava o timoneiro e a desgrenhada ministra da cultura, ficava-lhe mal anuir naquilo que os especialistas são consensuais em diagnosticar: o museu Berardo foi uma negociata para ele e um péssimo negócio para o Estado.
A gravata que apertava o pescoço do “comendador” não disfarçava a pesporrência: rematou a entrevista anunciando que condescendeu no mau negócio em homenagem à cultura. Um mecenas é um mecenas. Mas o homem de negócios não se sobrepõe à qualidade de mecenas? Por estes dias vamos estando habituados a ver Berardo cintilando uma imagem de generosidade: foi a OPA ao Benfica (para fazer do Benfica o quê, se já todos sabemos que é o “maior clube do mundo”?), agora é a jóia da coroa, com a exposição da sua colecção, que fica à disposição do grande público em vez de continuar encafuada, e a ganhar mofo, numa cave escura.
No final, foram todos à sua vida. Todos sorridentes, dando a indicação de que todos estão contentes com o negócio. Berardo terá ganho – e os analistas parecem consensuais na conclusão. Pelo ar feliz do primeiro-ministro e da despenteada ministra da cultura, o “país” também terá conquistado a sua quota triunfal. Resta saber quem é o “país”: se a imagem do país, nem que seja contra a factura elevada que daqui a dez anos será paga (mais de trezentos milhões de euros para uma das contas bancárias do “comendador”, quantia que, dizem outra vez os especialistas, sobreavalia a colecção Berardo); ou se apenas a cosmética dos actuais governantes, tão preocupados com sucessivos face lifting que garantam reeleição futura.
Por fim, soubemos que Berardo não tem no armário apenas a fardamenta do costume – fato escuro e t-shirt preta. Também há gravatas, que às vezes convém alindar a imagem com um pouco de verniz.
1 comentário:
Há sim...há gravatas que por si só fazem a diferença!
E por vezes todos os homens as deviam usar...
Eu recomendaria para o Sr. Berardo, um pouco da elegância e da qualidade apresentada no site
www.alojadasgravatas.com
Faria realmente toda a diferença...
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