De cada vez que vou cortar o cabelo trago histórias para contar. Como prometido, mudei de sítio para não ter que aguentar o mesmo cabeleireiro com tiques efeminados e que falava pelos cotovelos. Uma espécie de taxista com tesoura na mão. Calhou-me uma senhora. Discreta e silenciosa. É assim que gosto que me desbastem os excessos capilares: em silêncio.
Já ia quase no final da função quando desviei o olhar para a direita. No balcão do lado, em frente ao espelho, um cartaz publicitário de uma tinta para cabelos masculinos. O slogan, em inglês, rezava algo como isto: “agora, a qualquer altura pode pôr os seus cabelos grisalhos”. A provar o milagre da química, uma fotografia de um homem amadurecido, no crepúsculo da terceira década de vida. Aliás, duas fotografias: um antes e um depois, da aplicação da milagrosa tinta. Com a particularidade de, no depois, o homem aparecer com uma cabeça fartamente prateada, como se tivesse envelhecido num ápice.
O que mais me atrai nos tempos que correm é o mar de ambivalências em que navegamos. Ora se faz a apologia da eterna juventude, ora de supetão entram imagens que sugerem que o envelhecimento deixou de ser o enigma que amedrontava. E ora somos bombardeados com personalidades que escondem as rugas detrás de cirurgias estéticas, como se a velhice fosse um pecado que urge adiar; ora percebemos que os homens se envaidecem quando os cabelos acinzentam. O sintoma do envelhecimento está transformado em sinal de charme que é cultivado como modo alternativo de estar.
A verdade é que o restaurador Olex é uma página dobrada pelo tempo. Se dantes os homens receosos dos sinais de velhice trazidos pela cabeleira grisalha iam, como diz o meu amigo A., “à Robbialac”, agora continuam a frequentar a artificialidade dos químicos que tingem o cabelo, só que o fazem por motivos diferentes. O que dantes era asfixiado com o recurso às tintas que procuravam restaurar a tonalidade juvenil dos cabelos, é agora utensílio para apressar os sinais de velhice. Eis porque me agrada a modernidade: cultivamos tudo e o seu contrário. Compraz-me a abertura de espírito que se nos inocula ao sermos convidados a tolerar um estilo de vida e o seu oposto. Tanto está na moda a eterna juventude – ainda que seja um embuste que tenta iludir os ponteiros do relógio que não cessam a sua marcha – como a urgência em semear o elixir do envelhecimento. O desassombro dos que olham de frente para o tempo que se encurta.
Já se sabia que os políticos às vezes antecipam o sentir popular. Moldam as modas. De outras vezes, limitam-se a saltar para o rio e deixam-se levar pela caudalosa corrente. Parece-me que nisto da moda grisalha que amadurece precocemente o sexo masculino, os políticos estiveram na vanguarda. A imagem fabricada está repleta de truques que plantam cabelos grisalhos na cabeça de políticos, a necessária chancela da respeitabilidade que traz votos. Até me lembro do patético exemplo de um ex-autarca portuense que exibia o milagre de cabelos acinzentados nascidos do seu capachinho. Está instituído: uma cabeça repleta de tufos capilares grisalhos é garantia de credibilidade. As pessoas olham para esses homens e sentem reputação de mão dada com a tranquilidade que uma experiência de vida autoriza. Por isso há um primeiro-ministro que é pródigo na cavalgada de cabelos grisalhos, multiplicados exponencialmente desde que tomou posse. É só virtudes, numa simbiose dos modelos enaltecidos pela ambivalência da modernidade: ora cultiva a imagem de seriedade legada pela cabeleira grisalha, ora ostenta a imagem fresca da juventude que não perde fio à meada, quando monta nas sapatilhas e faz o jogging estrangeiro.
Se os políticos arrepiaram caminho à moda grisalha, alguns actores do imaginário hollywoodesco popularizaram o registo. As mulheres mostram a sua preferência pelos homens que expõem a imagem amadurecida pelos cabelos grisalhos que as deixam com um suspiro ao canto da boca. É nesta altura que o ultraliberal aproveita o ensejo para tecer loas ao capitalismo: afinal o mercado está de olhos bem abertos às oportunidades, lê os sinais que lhe chegam das modas instituídas e adapta-se a elas. Quem imaginava, há uns anos atrás, que haveríamos de encontrar nas montras da especialidade tinta para espalhar um tom grisalho nas cabeças masculinas?
Quando a cabeleireira acabou de adelgaçar as guedelhas, e quando as raízes capilares ficaram mais à mostra, percebi que não careço do adereço publicitado no mostruário ao lado.
Já ia quase no final da função quando desviei o olhar para a direita. No balcão do lado, em frente ao espelho, um cartaz publicitário de uma tinta para cabelos masculinos. O slogan, em inglês, rezava algo como isto: “agora, a qualquer altura pode pôr os seus cabelos grisalhos”. A provar o milagre da química, uma fotografia de um homem amadurecido, no crepúsculo da terceira década de vida. Aliás, duas fotografias: um antes e um depois, da aplicação da milagrosa tinta. Com a particularidade de, no depois, o homem aparecer com uma cabeça fartamente prateada, como se tivesse envelhecido num ápice.
O que mais me atrai nos tempos que correm é o mar de ambivalências em que navegamos. Ora se faz a apologia da eterna juventude, ora de supetão entram imagens que sugerem que o envelhecimento deixou de ser o enigma que amedrontava. E ora somos bombardeados com personalidades que escondem as rugas detrás de cirurgias estéticas, como se a velhice fosse um pecado que urge adiar; ora percebemos que os homens se envaidecem quando os cabelos acinzentam. O sintoma do envelhecimento está transformado em sinal de charme que é cultivado como modo alternativo de estar.
A verdade é que o restaurador Olex é uma página dobrada pelo tempo. Se dantes os homens receosos dos sinais de velhice trazidos pela cabeleira grisalha iam, como diz o meu amigo A., “à Robbialac”, agora continuam a frequentar a artificialidade dos químicos que tingem o cabelo, só que o fazem por motivos diferentes. O que dantes era asfixiado com o recurso às tintas que procuravam restaurar a tonalidade juvenil dos cabelos, é agora utensílio para apressar os sinais de velhice. Eis porque me agrada a modernidade: cultivamos tudo e o seu contrário. Compraz-me a abertura de espírito que se nos inocula ao sermos convidados a tolerar um estilo de vida e o seu oposto. Tanto está na moda a eterna juventude – ainda que seja um embuste que tenta iludir os ponteiros do relógio que não cessam a sua marcha – como a urgência em semear o elixir do envelhecimento. O desassombro dos que olham de frente para o tempo que se encurta.
Já se sabia que os políticos às vezes antecipam o sentir popular. Moldam as modas. De outras vezes, limitam-se a saltar para o rio e deixam-se levar pela caudalosa corrente. Parece-me que nisto da moda grisalha que amadurece precocemente o sexo masculino, os políticos estiveram na vanguarda. A imagem fabricada está repleta de truques que plantam cabelos grisalhos na cabeça de políticos, a necessária chancela da respeitabilidade que traz votos. Até me lembro do patético exemplo de um ex-autarca portuense que exibia o milagre de cabelos acinzentados nascidos do seu capachinho. Está instituído: uma cabeça repleta de tufos capilares grisalhos é garantia de credibilidade. As pessoas olham para esses homens e sentem reputação de mão dada com a tranquilidade que uma experiência de vida autoriza. Por isso há um primeiro-ministro que é pródigo na cavalgada de cabelos grisalhos, multiplicados exponencialmente desde que tomou posse. É só virtudes, numa simbiose dos modelos enaltecidos pela ambivalência da modernidade: ora cultiva a imagem de seriedade legada pela cabeleira grisalha, ora ostenta a imagem fresca da juventude que não perde fio à meada, quando monta nas sapatilhas e faz o jogging estrangeiro.
Se os políticos arrepiaram caminho à moda grisalha, alguns actores do imaginário hollywoodesco popularizaram o registo. As mulheres mostram a sua preferência pelos homens que expõem a imagem amadurecida pelos cabelos grisalhos que as deixam com um suspiro ao canto da boca. É nesta altura que o ultraliberal aproveita o ensejo para tecer loas ao capitalismo: afinal o mercado está de olhos bem abertos às oportunidades, lê os sinais que lhe chegam das modas instituídas e adapta-se a elas. Quem imaginava, há uns anos atrás, que haveríamos de encontrar nas montras da especialidade tinta para espalhar um tom grisalho nas cabeças masculinas?
Quando a cabeleireira acabou de adelgaçar as guedelhas, e quando as raízes capilares ficaram mais à mostra, percebi que não careço do adereço publicitado no mostruário ao lado.
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