É recorrente: o espectáculo de decadência que vem embrulhado nas comemorações do 10 de Junho. O que há para celebrar? Um país desorientado, que navega à deriva, mergulhado numa eterna saudade do que foi e das promessas sempre adiadas para um futuro que parece nunca chegar. Os outros passam por nós, como se estivéssemos parados na gare à espera que o comboio, já atrasado, por fim abale.
Mas há os optimistas da pátria, os que consideram que devíamos ser educados para dar mais solenidade ao evento. Assim como se fosse o cimento da nacionalidade, um espírito de comunhão que teria o predicado de enaltecer o simples facto de sermos portugueses. Na edição de sexta-feira passada do Diário de Notícias, Pedro Lomba escreveu um artigo de opinião que tenta inverter o adormecimento geral perante as celebrações dos símbolos nacionais. Acusa: estamos formatados para desdenhar dos símbolos nacionais, para vituperar os sinais de pertença. Há neste desconforto uma amargura latente: se somos o que somos, devíamos ter garbo de o ser. Daqui vai um contributo para a catilinária de Pedro Lomba: do outro lado da fronteira reside um dos povos mais chauvinistas que se conhece. Descontando os excessos chauvinistas, os espanhóis são o exemplo onde nos podíamos inspirar para sermos mais orgulhosos da nacionalidade.
Lomba sente-se ferido por sermos educados para o culto do individualismo que deprecia sinais de pertença. Acha que estes sinais são fundamentais, pois os símbolos são mediadores “da relação entre os cidadãos e as estruturas políticas, fazendo com que, através da sua força sugestiva, as pessoas adiram a valores importantes”. Mas o que são “valores importantes”? Pode Lomba certificar-se que estes valores são importantes para todas as pessoas, ou para uma maioria (larga ou simples?) de pessoas, ou só o são através da sua lente particular? Estes valores encerram-se no espartilho do objectivismo? Posso partir de pressupostos diferentes, mas custa-me a aceitar que seja possível objectivar “valores importantes”. O que fertiliza o terreno do individualismo: na amálgama de preferências individuais sobre os “valores importantes”, a nação fica remetida para plano secundário.
Ninguém escolhe a nacionalidade. É atribuída de forma aleatória. O que me magoa em qualquer política de enaltecimento da nacionalidade é o culto irracional que a sedimenta. Devíamos olhar para as celebrações do 10 de Junho e perguntar: celebramos o quê? Os feitos do passado, na revisitação da História de Portugal tão repleta de feitos que é ensinada nos bancos da escola? Esse passadismo é alavanca para o emproado viver do presente? Custa-me a crer que seja possível sair do estado vegetativo que somos há longo tempo apenas com os festejos do passado que aprendemos que foi grandioso. Quanto mais seja a evocação desse passado, mais adiamos o futuro diferente do presente lamentável que somos.
Apetece glosar mais uma vez Pedro Lomba, que a certa altura se interroga: “para que serve Portugal no fim de contas?” Arrisco-me a ensaiar uma resposta. Serve para que as pessoas que cá vivem se sintam felizes. Que não se sintam esbulhadas pelos muitos impostos que pagam, ao perceberem que os impostos não têm um destino eficaz. E serve para que quem exerce o poder se deixe de truques de loquacidade e se convença que o trabalho discreto, com avaliação dos resultados, é a forma genuína de serem escrutinados pelos cidadãos. Não serve para espúrias manifestações de um exaltado sentir nacionalista, porque esses sentimentos são efémeros e não acrescentam um grama ao bem-estar individual. Essas exaltações de nacionalismo são como uma embriaguez: um arremedo de bem-estar, que logo se transforma em ressaca quando o organismo depura o álcool que circulava pelo sangue. Ressaca que ecoa um tremendo vazio.
Discordo frontalmente de Lomba: o louvor dos símbolos não acrescenta nada ao bem-estar das pessoas. Concedo a visão materialista que me conduz, pois coloco o bem-estar tangível à frente dos sentimentos que se esfumam na vacuidade da iconografia oficial. Parece que não aprendemos nada com o passado. É de lá que sobram incontáveis episódios de entrega descomprometida aos ideais da “nação”, no que isso significava de desvalorização do indivíduo. Os resultados são conhecidos: a entrega a causas colectivas foi meio caminho andado para que a prática negasse a teoria que sagrava os direitos humanos.
Pode o presidente da república convocar os cidadãos para a recusa da resignação. Pretende despertar um povo da letargia. Podia interrogar se não há, nas entrelinhas, o germe de guerrilha ao governo socialista a quem prometeu “cooperação estratégica”: pois, afinal, só a anestesia de um povo que aceita a mediocridade de Sócrates e companhia é compatível com a letargia de quem se contenta com tão pouco. Adiante. O presidente da república quer outra atitude, mais empenhada e menos derrotista. Não sei se é possível: porque se é verdade que não escolhemos a nacionalidade com que nascemos, mais me parece que ser português é uma resignação de todo o tamanho.
Mas há os optimistas da pátria, os que consideram que devíamos ser educados para dar mais solenidade ao evento. Assim como se fosse o cimento da nacionalidade, um espírito de comunhão que teria o predicado de enaltecer o simples facto de sermos portugueses. Na edição de sexta-feira passada do Diário de Notícias, Pedro Lomba escreveu um artigo de opinião que tenta inverter o adormecimento geral perante as celebrações dos símbolos nacionais. Acusa: estamos formatados para desdenhar dos símbolos nacionais, para vituperar os sinais de pertença. Há neste desconforto uma amargura latente: se somos o que somos, devíamos ter garbo de o ser. Daqui vai um contributo para a catilinária de Pedro Lomba: do outro lado da fronteira reside um dos povos mais chauvinistas que se conhece. Descontando os excessos chauvinistas, os espanhóis são o exemplo onde nos podíamos inspirar para sermos mais orgulhosos da nacionalidade.
Lomba sente-se ferido por sermos educados para o culto do individualismo que deprecia sinais de pertença. Acha que estes sinais são fundamentais, pois os símbolos são mediadores “da relação entre os cidadãos e as estruturas políticas, fazendo com que, através da sua força sugestiva, as pessoas adiram a valores importantes”. Mas o que são “valores importantes”? Pode Lomba certificar-se que estes valores são importantes para todas as pessoas, ou para uma maioria (larga ou simples?) de pessoas, ou só o são através da sua lente particular? Estes valores encerram-se no espartilho do objectivismo? Posso partir de pressupostos diferentes, mas custa-me a aceitar que seja possível objectivar “valores importantes”. O que fertiliza o terreno do individualismo: na amálgama de preferências individuais sobre os “valores importantes”, a nação fica remetida para plano secundário.
Ninguém escolhe a nacionalidade. É atribuída de forma aleatória. O que me magoa em qualquer política de enaltecimento da nacionalidade é o culto irracional que a sedimenta. Devíamos olhar para as celebrações do 10 de Junho e perguntar: celebramos o quê? Os feitos do passado, na revisitação da História de Portugal tão repleta de feitos que é ensinada nos bancos da escola? Esse passadismo é alavanca para o emproado viver do presente? Custa-me a crer que seja possível sair do estado vegetativo que somos há longo tempo apenas com os festejos do passado que aprendemos que foi grandioso. Quanto mais seja a evocação desse passado, mais adiamos o futuro diferente do presente lamentável que somos.
Apetece glosar mais uma vez Pedro Lomba, que a certa altura se interroga: “para que serve Portugal no fim de contas?” Arrisco-me a ensaiar uma resposta. Serve para que as pessoas que cá vivem se sintam felizes. Que não se sintam esbulhadas pelos muitos impostos que pagam, ao perceberem que os impostos não têm um destino eficaz. E serve para que quem exerce o poder se deixe de truques de loquacidade e se convença que o trabalho discreto, com avaliação dos resultados, é a forma genuína de serem escrutinados pelos cidadãos. Não serve para espúrias manifestações de um exaltado sentir nacionalista, porque esses sentimentos são efémeros e não acrescentam um grama ao bem-estar individual. Essas exaltações de nacionalismo são como uma embriaguez: um arremedo de bem-estar, que logo se transforma em ressaca quando o organismo depura o álcool que circulava pelo sangue. Ressaca que ecoa um tremendo vazio.
Discordo frontalmente de Lomba: o louvor dos símbolos não acrescenta nada ao bem-estar das pessoas. Concedo a visão materialista que me conduz, pois coloco o bem-estar tangível à frente dos sentimentos que se esfumam na vacuidade da iconografia oficial. Parece que não aprendemos nada com o passado. É de lá que sobram incontáveis episódios de entrega descomprometida aos ideais da “nação”, no que isso significava de desvalorização do indivíduo. Os resultados são conhecidos: a entrega a causas colectivas foi meio caminho andado para que a prática negasse a teoria que sagrava os direitos humanos.
Pode o presidente da república convocar os cidadãos para a recusa da resignação. Pretende despertar um povo da letargia. Podia interrogar se não há, nas entrelinhas, o germe de guerrilha ao governo socialista a quem prometeu “cooperação estratégica”: pois, afinal, só a anestesia de um povo que aceita a mediocridade de Sócrates e companhia é compatível com a letargia de quem se contenta com tão pouco. Adiante. O presidente da república quer outra atitude, mais empenhada e menos derrotista. Não sei se é possível: porque se é verdade que não escolhemos a nacionalidade com que nascemos, mais me parece que ser português é uma resignação de todo o tamanho.
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