Há em nós os lugares que visitámos. Deles, trazemos memórias e um pedaço que se aloja na carne. Os sítios mais marcantes, a profusão de monumentos, as ruas bem esquadrinhadas, todas as pessoas diferentes e anónimas que se cruzaram. E os sítios só com uma vaga recordação, quase indeléveis na memória, ainda assim repositórios (menores) do espírito que se afeiçoa aos lugares idos.
De repente, do nada, ressaltam à cabeça imagens de um lugar visitado. Um monumento emblemático, uma avenida grandiosa, uma rua esconsa que desnuda belezas arcaicas bem conservadas, um rio caudaloso que empresta o ar resplandecente quando o sol marca visita. É por isso que os lugares que conhecemos estão entranhados em nós: são penhores do que somos no processo de crescimento para o qual foram ingredientes preciosos. As imagens que desfilam diante da tela que passa, imaginária, diante dos olhos, são sedimentos que se entranham, sedimentos do amadurecimento que passa por nós.
Valem os lugares exóticos como os lugares triviais. Os lugares tão distantes de casa como um pedaço de paisagem cheia de significado, ainda que vizinha do sítio onde moramos. Até lugares que não se distinguem pelo anonimato que transparecem podem trazer um fragmento importante, mesmo que imperceptível. Uma multidão de sítios, alguns visitados demoradamente, outros só com uma fugaz passagem. Uns com pessoas à mistura, emolduradas no álbum das recordações, emparelhando com os lugares. E outros tão significativos que se desprendem das pessoas, como se houvesse neles uma poderosa imagem que os desliga da mão humana que os edificou. Por vezes, as paisagens bucólicas, ora agrestes, ora de uma beleza plácida, ensinam que há lugares sem intervenção humana que atiram contra o peito o verbo poderoso retido até às profundezas da memória.
Os lugares ensinam. Não falo apenas de museus, ou dos edifícios imponentes que são o museu vivo da História. A pedagogia dos lugares é a das pedras que tocamos, do ar que respiramos, da nesga de luz que combina com uma esquina entre duas ruas a uma determinada hora do dia e que só cintila naquele lugar. Até pode isto não ter a representação simbólica aos olhos de outras pessoas. Aí está o apelo desarmante dos lugares que cimentam o ser: os olhos vêm coisas diferentes no mesmo lugar. Sinal de que os lugares, o mesmo lugar, jorram com intensidades diferentes consoante os olhos que os fitem.
Nos imensos lugares que ficam por visitar retenho a imagem da minha pequenez. Ainda que fôssemos nómadas em demanda de lugares incontáveis, muitos mais ficariam por conhecer. O mundo é um espaço amplo para a pequenez do tempo que nos consome. Não consigo esconder a frustração dos muitos lugares a que gostaria de ir e que hão-de ficar desconhecidos. Na impossibilidade de os visitar há um pedaço enorme de mim que fica órfão. Podia-os visitar em imagens fotografadas pelos outros. Seria o engodo de mim mesmo: faltaria respirar o ar, que é sempre diferente nos lugares a que vamos; faltaria sentir as pessoas que se cruzam no caminho; faltaria sentar à mesa de restaurantes e encomendar a refeição; faltaria, no fim do dia, entrar na recepção do hotel e trocar as palavras necessárias com o recepcionista; faltariam as gares onde aportam os comboios ou os aeroportos que desgastam tempo e paciência; e faltariam os pormenores que só a aproximação dos olhos permite captar, nas pedras gastas dos monumentos, nas árvores dos jardins, na singeleza das pedras da calçada, ou nos pormenores surpreendentes que se revelam ao olhar curioso quando espreita em demanda das coisas por conhecer.
No final, quando o tempo acalma e convida ao discernimento dos sentidos, fica a certeza que os lugares que visitámos nunca são poucos ou excessivos. São, sempre, os lugares que quisemos. Lugares bastantes, subsídios para o crescimento que o espelho revela aos sentidos. Uma panóplia de imagens armazenadas que fazem dos lugares idos património do envelhecimento pessoal. À distância, esses lugares continuam a envelhecer, as pedras expostas à impiedade dos elementos. À distância, é como se rejuvenescêssemos com o envelhecimento dos lugares que ficaram retidos na memória. Um feixe invisível que é uma dádiva só proporcionada pelo encantamento dos lugares sagrados nas lembranças que ocasionalmente despertam do torpor.
De repente, do nada, ressaltam à cabeça imagens de um lugar visitado. Um monumento emblemático, uma avenida grandiosa, uma rua esconsa que desnuda belezas arcaicas bem conservadas, um rio caudaloso que empresta o ar resplandecente quando o sol marca visita. É por isso que os lugares que conhecemos estão entranhados em nós: são penhores do que somos no processo de crescimento para o qual foram ingredientes preciosos. As imagens que desfilam diante da tela que passa, imaginária, diante dos olhos, são sedimentos que se entranham, sedimentos do amadurecimento que passa por nós.
Valem os lugares exóticos como os lugares triviais. Os lugares tão distantes de casa como um pedaço de paisagem cheia de significado, ainda que vizinha do sítio onde moramos. Até lugares que não se distinguem pelo anonimato que transparecem podem trazer um fragmento importante, mesmo que imperceptível. Uma multidão de sítios, alguns visitados demoradamente, outros só com uma fugaz passagem. Uns com pessoas à mistura, emolduradas no álbum das recordações, emparelhando com os lugares. E outros tão significativos que se desprendem das pessoas, como se houvesse neles uma poderosa imagem que os desliga da mão humana que os edificou. Por vezes, as paisagens bucólicas, ora agrestes, ora de uma beleza plácida, ensinam que há lugares sem intervenção humana que atiram contra o peito o verbo poderoso retido até às profundezas da memória.
Os lugares ensinam. Não falo apenas de museus, ou dos edifícios imponentes que são o museu vivo da História. A pedagogia dos lugares é a das pedras que tocamos, do ar que respiramos, da nesga de luz que combina com uma esquina entre duas ruas a uma determinada hora do dia e que só cintila naquele lugar. Até pode isto não ter a representação simbólica aos olhos de outras pessoas. Aí está o apelo desarmante dos lugares que cimentam o ser: os olhos vêm coisas diferentes no mesmo lugar. Sinal de que os lugares, o mesmo lugar, jorram com intensidades diferentes consoante os olhos que os fitem.
Nos imensos lugares que ficam por visitar retenho a imagem da minha pequenez. Ainda que fôssemos nómadas em demanda de lugares incontáveis, muitos mais ficariam por conhecer. O mundo é um espaço amplo para a pequenez do tempo que nos consome. Não consigo esconder a frustração dos muitos lugares a que gostaria de ir e que hão-de ficar desconhecidos. Na impossibilidade de os visitar há um pedaço enorme de mim que fica órfão. Podia-os visitar em imagens fotografadas pelos outros. Seria o engodo de mim mesmo: faltaria respirar o ar, que é sempre diferente nos lugares a que vamos; faltaria sentir as pessoas que se cruzam no caminho; faltaria sentar à mesa de restaurantes e encomendar a refeição; faltaria, no fim do dia, entrar na recepção do hotel e trocar as palavras necessárias com o recepcionista; faltariam as gares onde aportam os comboios ou os aeroportos que desgastam tempo e paciência; e faltariam os pormenores que só a aproximação dos olhos permite captar, nas pedras gastas dos monumentos, nas árvores dos jardins, na singeleza das pedras da calçada, ou nos pormenores surpreendentes que se revelam ao olhar curioso quando espreita em demanda das coisas por conhecer.
No final, quando o tempo acalma e convida ao discernimento dos sentidos, fica a certeza que os lugares que visitámos nunca são poucos ou excessivos. São, sempre, os lugares que quisemos. Lugares bastantes, subsídios para o crescimento que o espelho revela aos sentidos. Uma panóplia de imagens armazenadas que fazem dos lugares idos património do envelhecimento pessoal. À distância, esses lugares continuam a envelhecer, as pedras expostas à impiedade dos elementos. À distância, é como se rejuvenescêssemos com o envelhecimento dos lugares que ficaram retidos na memória. Um feixe invisível que é uma dádiva só proporcionada pelo encantamento dos lugares sagrados nas lembranças que ocasionalmente despertam do torpor.
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