18.6.07

Pagar impostos é hedónico


Declaração de interesses: quem me der ser um terrorista fiscal. Logo, não vem de mim a afirmação de que pagar impostos é um prazer irresistível. Poderá parecer absurdo haver quem assim pense, mais a mais numa terra onde impera o sentimento de que os impostos que nos são sugados poucas vezes têm aproveitamento condizente. Há dias li a notícia no Público: “dar voluntariamente dinheiro para o bem público revelou ser uma fonte de prazer para os humanos. O mais surpreendente é que pagar impostos também”.

Fiquei aturdido. Esta foi daquelas notícias que exigiu leitura para além do título. Trata-se de um estudo feito nos Estados Unidos por dois psicólogos e um economista. A amostra foi escassa – apenas dezanove mulheres, em quem eram estudadas as ondas cerebrais quando confrontadas com vários destinos para o dinheiro que lhes era virtualmente creditado. Os cientistas concluíram que havia prazer puro na dádiva para o bem comum. Que as mulheres se sentiam recompensadas por saberem que os donativos voluntários eram associados a uma boa causa. Asseverem que “o que isto mostra aos responsáveis pelas políticas impositivas é que os impostos não são necessariamente uma coisa má. Pagar os seus impostos pode fazer os cidadãos sentir-se felizes. As pessoas são todas, em certa medida, altruístas puros.

Registe-se o optimismo antropológico da equipa de investigadores. Mas duvido da metodologia. Eles consentem que a amostra é muito reduzida. E depois, não percebi porque só tinham sido escolhidas mulheres. Porventura adivinhavam que a insensibilidade masculina pervertesse os resultados que estavam à espera de conseguir, frustrando a bombástica conclusão a que chegaram? Acresce que ou a notícia sintetiza mal o estudo, ou este busca a fama pelo mediatismo das conclusões. Há uma confusão conceptual: pagar impostos não é sinónimo de dádiva. Dos bancos da universidade regressa a noção de imposto: prestação coactiva e unilateral que não dá origem a uma contraprestação específica. Interessa reter a primeira metade: “prestação coactiva e unilateral”. Ora o que é coactivo está nos antípodas da dádiva, voluntária por natureza.

O estudo pode ter um viés geográfico. De país para país, varia a disponibilidade dos cidadãos para pagarem impostos. Porventura nos Estados Unidos a consciência fiscal dos cidadãos é mais arreigada. Tal como acontece nos países nórdicos, onde os cidadãos aceitam pacificamente um fardo fiscal que é o mais elevado da Europa. Pagam e fogem pouco, ao contrário dos povos latinos, habituados a pagar menos impostos e, ainda assim, campeões no desporto da evasão fiscal. Haverá factores culturais que explicam o comportamento variável dos povos perante a obrigação de pagar impostos. O maior sentimento de pertença do indivíduo a uma comunidade facilita o dever de pagar impostos. O maior individualismo, ou apenas a percepção da incompetência dos poderes para usarem com eficácia o bolo dos impostos, acalma o interesse na satisfação deste dever.

Misturar “altruísmo”com “pagamento de impostos” é erróneo. Mesmo que esteja diante de mim um zeloso cidadão que cumpre sem hesitar as suas obrigações fiscais, trata-se de uma obrigação. Se deixasse de ser um dever, faria sentido ver até que ponto os indivíduos exercitam o seu altruísmo em prol do bem comum: quanto estariam dispostos a contribuir, como dádiva, para o bem comum. Um imposto é a negação do altruísmo. Enquanto forem os próprios zeladores de impostos a classificarem-nos como coactivos, o altruísmo está fora dos horizontes. Tenho para mim que a persistência do imposto como “dever” é sintomático: não fosse uma imposição sobre os cidadãos, e quantos teriam o impulso do contribuir voluntariamente para o bem comum?

Da parte que me toca, não consigo imaginar actividade mais aprazível do que pagar impostos. De cada vez que visto a pele de consumidor e vejo, pela factura, quanto me é levado a título de IVA. Ou quando compro casa e tenho que pagar uma quantia absurda para impostos e taxas várias. Ou quando sinto que mais de um terço do meu salário fica do lado de lá, retido na fonte a título do imposto que, por estimativa, me há-de ser cobrado. E exulto de contentamento quando chega o momento mágico do ano em que preencho a declaração de IRS. É o zénite do hedonismo. Pelo contrário, fico contristado quando tomo conhecimento que um provento avulso vai ficar isento de impostos. Anteontem ganhei uma fortuna no totoloto: 2,53€. Entristeci-me ao saber que o fisco, generosamente, me deixa ficar com a totalidade da verba. Que fazer para doar os 25% que a lei prevê para ganhos deste género? É que eu queria mesmo depositar, à conta do fisco, 0,63€.

Sexo, música, automóveis, livros, gastronomia? Não, o que me dá prazer é pagar impostos!

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