Um cortejo de bizarrias. Como se fôssemos espectadores involuntários de uma encenação surrealista. Há quem lhe chame a "silly season": a época estival leva a massa encefálica ao estado vegetativo, as preocupações em salmoura, os sempre inacabados projectos para mudar de vida metidos no parêntesis das férias. É um tremendo erro de perspectiva. A "silly season" entrou fundo em todo o calendário. O calendário todo é repositório do surrealismo.
Dos dias recentes, muitos episódios embebidos em absurdeza. É o comandante da zona marítima do sul que proibiu massagens de praia. Uma empresa qualquer quis trazer diferença aos veraneantes que vão à praia, propondo diversas actividades para não esturricarem perigosamente ao sol algarvio. Ioga, workshops de sushi e outras actividades que ensinam os rudimentos da vida saudável. As massagens causaram espécie ao comandante. Nem quis saber que as mesmas fossem aplicadas por terapeutas profissionais. A sua mente sórdida, canalizada para um mal disfarçado moralismo público. Sentenciou o comandante: sabe-se como começa uma massagem, só não se sabe como vai terminar.
O excesso de zelo do comandante dá pano para mangas. Primeiro, o comandante expôs-se em toda a sua perversidade. Ninguém precisava de saber que na cabeça depravada do comandante, massagens é sinónimo de envolvimento carnal. Ele lá saberá do que fala. Em segundo lugar, que o comandante esteja desassossegado com os sinais indisfarçáveis da sua libido é um problema que só a ele diz respeito. Da audiência dispensava-se partilhar esses tormentos pessoais. Terceiro, o comandante transborda as suas funções quando se incomoda com a promiscuidade alheia. Vamos supor que a certidão de terapeuta profissional das pessoas contratadas para as massagens é uma máscara para a cédula da profissão mais velha do mundo. A pergunta é esta: o que tem o comandante a ver com o coito alheio? Por acaso essa promiscuidade vem à cena no areal, mesmo à frente dos frequentadores da praia?
Acto número dois do absurdistão que nos cerca: algazarra pegada para os lados do Entroncamento, com tiroteio só visto em filmes norte-americanos onde a violência escorre em toda a sua gratuitidade. Um grupo de homens barricados resistiu aos polícias com exaustivo treino para destroçar motins. Um "operacional" baleado depois, os colegas por fim irromperam pela casa e prenderam os meliantes. Pelo caminho revolveram a casa e, consta, até os membros femininos da família foram mimoseados com uns pontapés e canos cerrados de artilharia pesada à cabeça. As televisões, sedentas de burburinho e sangue, montaram acampamento nas imediações.
Nas entrevistas às familiares dos barricados, a opção editorial de passar legendas. Contextualização: as mulheres, portuguesas de gema, falavam um português onde os atropelos à gramática se repetiam a uma velocidade impressionante. Nos tempos que correm, não é fenómeno singular. É mosca que cai na sopa até das pessoas que se julgam muito recomendáveis. E como se não bastasse o insólito dos tiros trocados entre os "operacionais" e o bando, por momentos negando a consagrada pacatez indígena, o brado maior veio com a aposição de legendas para que os espectadores percebessem o que as mulheres indignadas protestavam à frente das câmaras que as filmavam.
Eu dispensava as legendas. Descontando os muitos pontapés da gramática, o discurso era inteligível. Possivelmente o jornalista era um purista da língua, ou apenas um snob arrepiado com o estranho sotaque das mulheres que, todavia, não impedia a percepção do que diziam. O que estranhei é que o timoneiro da nação há tempos, em momento televisivo encomiástico, arranhou um patético "espanhuel" e ninguém ousou colocar umas legendas para que os vassalos entendessem aqueles sons guturais que agrediam os ouvidos do camarada Zapatero do outro lado do telefone. O Bloco de Esquerda entrou todo de férias.
Terceiro episódio. No Porto, um homem psicótico foi condenado a prisão por ter atingido a tiro, por erro, uma mulher. Quis acertar num homem que lhe salvou o gato. Ingrato, o homem meteu na sua complicada cabeça que o outro, o que salvou o gato, por ser pederasta tinha desencaminhado o gato para essas práticas libidinosas e "contra-natura". Temendo que o gato, por contágio, tivesse adquirido homossexualidade, resolveu o dilema a tiro. Acertou na pessoa errada e foi a tribunal depor uma doentia homofobia. Nem sei o que é pior: se a mente doente do dono do gato ou o juiz que escreveu isto na sentença: "Dar um tiro em alguém por ser homossexual e por supostamente ter tido relações sexuais com um gato que ajudou a resgatar, e por isso o animal ter ficado paneleiro (…)". A magistratura pelas ruas da amargura: nem ela, sequer, tem tento na língua.
Este absurdistão não é motivo para avantajadas olheiras. Ao contrário, é o fermento para fartas gargalhadas. Assim como assim, os três episódios são a amostra da têmpera patética de quem se julga emblema da portugalidade contemporânea. Pois não há por aí uma suposta referência de todos nós (sem direito a dissidência, logo alvo de lapidação) que anda de braço dado, com direito a numerosos elogios, com o responsável pela faceta mais circense da política internacional?
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