Se não fosse alérgico a pertenças a grupos, não conseguia reprimir a vontade em alinhar num movimento que nasceu no Reino Unido que passa esta mensagem afixada em autocarros: não nos preocupemos por deus não existir, a vida é para ser vivida de maneira despreocupada. Já li algures que isto é um convite à desresponsabilização pessoal. Como pode alguém argumentar que aquela mensagem contém um convite à leviandade pessoal, é algo que ultrapassa a minha capacidade de entendimento. No fundo, quantas vezes as angústias são bem nutridas pelos imperativos que deus semeia na existência de quem nele crê?
Este é o intróito para repetir o repúdio pelas religiões, já que elas levam os crentes a empenharem a sua livre vontade. Porque os dogmas, ou os intérpretes autênticos dos dogmas em sua substituição, cerceiam o livre arbítrio, a espontaneidade do ser, por divina inspiração e imposição. Não, não me convencem que a religião, as religiões, são um agradável lugar onde a liberdade é cultivada.
O mais recente episódio que remeto ao pessoal recanto da infâmia para as religiões, devo-o ao cardeal de Lisboa. Em tertúlia nocturna, aconselhou as jovens lusas a fugirem a sete pés do matrimónio com muçulmanos. Desconheço o que antecedeu a tertúlia, se escorreu néctar vínico embalando sua senhoria para um ébrio estado, mas a certa altura terá justificado o insólito aconselhamento desta maneira: "pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam", concluindo que "uma jovem europeia de formação cristã, a primeira vez que vai para o país deles é sujeita ao regime das mulheres muçulmanas".
Estas pérolas opinativas fermentam um aluvião de comentários. A começar pelo inflamado combate a que vamos assistir entre os prolongadores do bafio sacristão e as virgens ofendidas pelo recalcamento do islão. Os primeiros vão defender a liberdade de opinião do cardeal, tal como se apressariam a dizer que não se zomba do catolicismo se alguém aparecesse a fazer humor com a igreja católica. Não ponho em causa a liberdade de opinião do cardeal. Nem tão pouco concordo com os que propõem a restrição da liberdade de opinião de certas pessoas devido às especiais responsabilidades que elas têm. O cardeal tem direito a dizer o que quiser; só me custa a entender que se intrometa na intimidade das jovens mulheres que estejam a pensar em cair nos braços de um feroz muçulmano. É a igreja católica na vontade indomável de domar os amores alheios.
Do outro lado, virá o habitual psitacismo dos que se atiram aos iconoclastas do etnocentrismo. Esses críticos reprovarão a falta de tacto do cardeal, acusando-o de desprezar uma cultura tão diferente da nossa. Serão os advogados de defesa de uma civilização que não pensaria duas vezes em remetê-los ao presídio se para lá fossem cultivar as suas alternativas opções de vida. É por isso que admiro a sua generosidade, o desinteresse com que defendem o "outro" que acham vilipendiado por "nós" – por aqueles de "nós" incapazes de compreender o "outro" na sua idiossincrasia cultural. Pena é que o "outro", tantas vezes, seja tão etnocêntrico como "nós". Uma vez mais, as terríveis sequelas das religiões: um combate retórico entre surdos, uma discussão com o magnífico resultado de levar a um beco sem saída.
Acho intrigante que a pessoa mais importante na hierarquia da igreja lusitana queira lançar gasolina para uma fogueira que já arde, alta e descontrolada. Pensava que as igrejas estavam mancomunadas umas com as outras, prometendo entendimentos que, quem sabe, levariam a aproximações tangenciais no futuro longínquo – e, afinal, não é isso o ecumenismo? O cardeal de Lisboa sabotou o ecumenismo. E, suspeito, comprou uma guerra com a comunidade muçulmana. Valha-nos que nessa comunidade não se conhece gente que esteja a treinar para bombista suicida.
Ficarei surpreendido se as palavras do cardeal passarem em branco no crivo das feministas. É verdade que sua senhoria dirigiu o alerta para as moçoilas, para que elas não sejam apanhadas no alçapão dos tenebrosos costumes islâmicos que não se cansam de atropelar os direitos das mulheres. As feministas deviam estar gratas ao cardeal. Mas suspeito que por aí virá uma revoada de indignações, com as feministas a reclamarem igualdade de tratamento entre os sexos – e então será ensejo para se falar dos jovens lusos enamorados por odaliscas muçulmanas. Seria a altura de todas as surpresas se consumarem: as pitonisas do feminismo a defenderem os direitos dos marialvas.
Digo isto porque no mesmo dia em que são trazidas as declarações do senhor cardeal, leio num jornal espanhol que foi retomada a lapidação de adúlteros no Irão. Os machos lusitanos, treinados para a habitual facadinha no matrimónio, que se cuidem se caírem no feitiço dos dotes das odaliscas iranianas. Quem se embeiçar de amores por uma iraniana e se mudar para aquele distante país, que se mentalize que depois não pode pecar com outras odaliscas ainda mais apetitosas. É que ser lapidado em praça pública, além de humilhante, deve ser muito doloroso.
Eis, em suma, como o cardeal errou no alvo da sua prédica. Não era às jovens que devia aconselhar, não era o incontrolável desejo de amores por muçulmanos que devia conter, como se fosse a folha de hortelã em receita afrodisíaca. Era aos varões endoidados por odaliscas. E assim se comprova como há, de facto, desigualdade de sexos. A penalizar o sexo masculino.
1 comentário:
Caro PM por acaso nunca me achei um desses machos lusos, alias a designação Luso é demasiado vulgar e historicamente errada, (é uma agua mais da sua geração, eu uso Frize, sempre é mais Frizante (não resisti perdoe-me). Alias nunca me considerei Luso, detesto futebol e detesto os fadinhos (inclusive daqueles que criticam tudo e todos sem saberem do que falam e sem proporem soluções), portanto sou tipo estrangeirado (nunca estudei em Coimbra).
Sou estrangeirado até na mulher, olhe até é iraniana e tudo. Alias uma das minhas próximas linhas de invesigaçao será: As verdadeiras razoes das descobertas portuguesas-fugir das mulheres portuguesas.
Sinceramente como não me considero macho luso, nunca me passou pela cabeça trair seja quem fosse, porque senão não casava. E se me considero abastecido quanto a exotismos não preciso de trair, não penso que sentirei atraído por mulheres portuguesas. Quanto a "odaliscas"(concubinas de origem turca), bem as alunas turcas que tive até agora eram completamente doidas, portanto não me parece.
Quanto a lapidar, bem não me consigo conter, não é um acto orientalizante, não é romântico. Sinceramente não me faz rir. O problema das suas fontes Espanuelas, é que não mencionam que a lapidação acontece em linha geral, somente a mulheres, e esta lapidação em particular foi uma justificação para matar um opositor politico, numa província remota.
Peço desculpa por falta de acentos, mas até o meu computador é estrangeiro.
Deixo um Link:
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1072006
ISobral
Abraços
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