10.6.09

Às modas de antanho: a imaginação que se consome na sua finitude


É recorrente: os "designers" de moda recuam no tempo e retomam os modismos que o foram lá atrás. Regressam, cheios de vigor, aos dias correntes. Redescobrem essas modas, actualizam-nas ao sabor do tempo presente. As roupas e cores e cortes de tecidos e calçado que caíram em desuso são resgatados ao armário – dir-se-ia: ao empoeirado armazém – e voltam a cavalgar na crista da onda.


Não sei se não é apenas a criatividade que se esgota. Ou algum revivalismo, recuperando as memórias enquistadas através de uma determinada maneira de vestir. Quando são "criadores" de tenra idade a fazê-lo, não é o revivalismo que explica o mergulho em modismos de antanho. Esses jovens "criadores" de trapos não viveram o tempo que a moda recriada ambiciona reviver. Ou, em tratando-se de "criadores" de meia-idade, o revivalismo é genuíno. Um saudosismo que não homenageia a originalidade que a moda, a moda genuína, exige. O que leva a perguntar se o regresso a modas passadas não é sinal da exaustão da criatividade dos "designers".


Acontece com todos. Pois há escritores, pintores, músicos, realizadores de cinema, encenadores de teatro que atravessam um deserto de ideias e hibernam na produção artística. O que se não vê é retomarem obras já publicadas, dando-lhe nova roupagem só para dizerem que mantêm uma actividade artística. Descontam-se as recriações de obras passadas – música e filme, sobretudo -, pois a transformação dessas obras pode conter um estimável elemento criativo. Não é o que se passa com o autêntico deserto de ideias que percorre a moda que mergulha nos modismos de outrora. Quando regressam às calças à boca-de-sino, ou às camisas garridas (só faltam as golas protuberantes), ou às gravatas que parecem um fino filete a tombar sobre as camisas, e explicam que recriam um moda que já conhecemos lá atrás, trata-se de uma patranha. Não há reinvenção alguma. O que há é uma intelectualmente desonesta pesquisa nos arquivos, só para copiar o que foi moda outrora e extinguir o incêndio que os consome – o fogo que incinerou a criatividade.


Também se pode olhar para o resgate de modas passadas como a implacável tendência para o conservadorismo. Os "designers" gostam de se colocar entre as vanguardas. Julgam-se três passos à frente da maralha. De cada vez que afocinham em modas supostamente recriadas, são reféns do conservadorismo. Afinal a moda não muda tanto como os aduladores do género apregoam. A moda anda em círculos. Quando liberta âncora de um porto para anos mais tarde aportar no local de partida, é a moda anestesiada pelo conservadorismo. E as pessoas parecem gostar. Das modas que regressam à casa da partida. Porque, lá no fundo, são conservadoras. De cada vez que são convidadas a aceitar uma falaciosa recriação de uma moda de antanho que não deixa de ser uma repetição fidedigna, mostram repugnância pela mudança, o que as coloca na senda do conservadorismo.


Não sei se somos viciados no tempo passado. Senão, de vez em quando, não nos enclausuramos no tempo que experimentámos e que sabemos só poder ser revivido na artificialidade de quem julga poder fazer recuar todas as páginas do calendário. Porventura os "criadores" de moda têm a mesma têmpera. O que afinal desmente o tão elevado lugar em que se colocam. Pois se pertencem a uma vanguarda qualquer, essa vanguarda é o lugar a que todos pertencemos.


Talvez fosse mais honesto se os "criadores" de moda admitissem, quando resvalam para as modas passadas, que foram atacados por uma crise de criatividade. Um banho de humildade é mais prestigiante do que ocultar fraquezas através de pretextos que apenas expõem a desonestidade intelectual. Mas o melhor seria que se pautassem por um código de conduta que os impedisse de apresentar modas que revisitam, sem tirar nem pôr, modas de antanho. Ao menos poupavam-nos certas agressões visuais.

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