Obama matou a mosca e o mundo parou para se embevecer. Obama é tão magnífico que até inoportunas moscas consegue varrer do caminho. E o mundo inteiro (ou a caminho de o ser) aplaude, extasiado, os dotes do homem que, arrisco daqui, devia ser elevado à condição de líder do mundo.
É impressionante como um fait divers ganha espessura de notícia. Obama a ser entrevistado para um canal de televisão. Uma mosca esvoaça à sua frente, causa comichão e perturba o clarividente raciocínio do líder simpático. Interrompe o raciocínio: a irrequieta mosca pousara na sua mão esquerda. Tensão nos segundos em que durou o silêncio. Levanta a mão direita, sorrateiramente. Com um golpe seco esmaga a mosca que repousara na presciente mão que conduz o mundo pelas ruas da esperança. O insecto jaz morto no tapete, junto aos pés do presidente dos Estados Unidos. Ao meu lado, no café, a mulher cinquentona, mulher do povo, exclama com sotaque portuense inflacionado: "este home é um espectáculo!"
E não é que Obama é um espectáculo? Tirando os malvados dos fundamentalistas islâmicos que nunca estão contentes com nenhuma liderança do "Satã americano" e alguns teimosos no mundo ocidental que resistem ao encantamento por Obama, quem, no seu juízo, pode contestar a impressão "espectacular" que exala da figura? Obama mata a mosca e a proeza aparece no tempo dos noticiários. Obama tem um cão de raça portuguesa e isso alimenta a nossa admiração e enfatua o ego pátrio. Obama, coitado, teve que abdicar do inseparável Blackberry porque os zelosos serviços secretos apontam razões de segurança, e o mundo (quase) inteiro condói-se com as dores interiores de Obama. Um dia destes, ficaremos a saber: a que horas se levantou Obama, o que tomou de pequeno-almoço, o livro que está na mesinha de cabeceira, uma dor de cabeça que o levou a tomar um analgésico, o poema que escreveu à primeira-dama (também uma "mulher espectacular", anote-se) num intervalo de arrebatamento amoroso entre duas importantíssimas reuniões com generais de Pentágono e com cinzenta gente dos serviços secretos, e o mais que se possa imaginar.
A destreza para matar insectos junta-se a todos os predicados que contribuem para o enfeitiçamento (quase) global por Obama. Hipnose (quase) global. Obama matou a mosca e nem um ai pesaroso, ou um protesto inflamado, dos militantes da causa ambientalista – ou a mosca será um animal que ocupa uma escala inferior na ordenação dos que protegem os direitos dos animais? Tudo isto entra para as estrofes que compõem a melodia do Obama "very cool", o Obama porreiro que aparenta ser um de nós. O poderoso presidente dos Estados Unidos na imagem do homem de rua, do homem comum. Há sintoma mais claro da democratização do poder?
Por quanto tempo mais há-de continuar o mundo (quase) todo enfeitiçado por esta cortina de espelhos, pela fantasia que se oferece no papel de celofane de uma imagem tão bem forjada? Se os governantes se interessassem mais pelo que fazem e não pelo que mostram ser, o episódio da mosca ficaria reservado aos arquivos de filmagem daquela estação de televisão, ou ia parar ao YouTube. Vimos como Obama fez o auto-panegírico, convidando o homem da câmara a filmar o insecto jazendo no seu leito de morte. Só para que o mundo (quase) inteiro testemunhasse e se inebriasse, pois aquilo não tinha sido uma encenação, que Obama tem um killer instinct para maçadores insectos – é, pois, como as osgas, que as osgas são conhecidas por essa habilidade. E, repito, nenhuma associação de defesa dos animais esboçou um protesto.
Habilidades, há-as no circo. Ao circo bate-se palmas. Uns segundos para pensar: se calhar, eu estou errado e as coisas como elas são é que estão certas. Não é que estamos cansados da política muito séria, sempre ocupada por muito cinzenta gente? Por uma vez que seja, a política circense, a política que nos entretém, para que a esperança e o optimismo resplandeçam. Que interessam as políticas, as decisões, os efeitos que elas vão ter daqui a uns anos, os efeitos que os outros países – os que não elegeram Obama – vão suportar por causa de um efeito de contágio que ninguém consegue evitar? De repente, esta impressão: que tudo isto é que é o verdadeiro circo.
2 comentários:
Não é verdade! Foi largamente noticiado que Obama largou o Blackberry a pedido da primeira-dama, preocupada com o seu descanso.
MLV
Meu caro,
Ao dedicares uma crónica a tão insignificante episódio (concordo contigo), não estarás (à tua maneira) a embarcar na Obamania?
Ponte Vasco da Gama
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