Andavam às voltas com a derrota – que é mais amarga quando é inesperada –, num brainstorming que pretendia encontrar uma estratégia para limpar a imagem danificada. Ou até a vitória nas eleições legislativas pode estar hipotecada.
Primeiro-ministro – Ó Augusto, tu como ideólogo do regime, és o único de nós os três com capacidade para pensar alguma coisa com cabeça, tronco e membros. Diz-nos lá o que te passa pela cabeça?
Ideólogo do regime – Zé, nesta altura a maior oposição que suportamos não é daquele partido alaranjado. É a TVI que mais dano causa na imagem que tanto nos esforçamos por tratar.
Primeiro-ministro – Já tentámos manipular os cordelinhos para enviar o Moniz para o Benfica. Até aqui fracassámos. Definitivamente, as coisas não andam a correr bem nos últimos tempos.
Ideólogo do regime (com os olhos a brilhar, sentindo que descobriu a pólvora) – Se não vai a bem, vai a mal. Para tudo há uma solução. (E fez uma pausa para saborear a curiosidade dos comparsas).
Clone do primeiro-ministro (boquiaberto, pois as suas capacidades não alcançavam a estaleca intelectual do ideólogo; por alguma razão é o clone do chefe) – Augusto, não estamos a ver aonde queres chegar.
Ideólogo do regime – Acompanhem o meu raciocínio: o Estado tem uma "golden share" na PT, não é verdade? E se nos aproveitássemos do pretexto do interesse vital das redes digitais e movêssemos umas influências para que a PT mostrasse interesse em comprar uma quota significativa da TVI?
Primeiro-ministro – Não é mal pensado, sim senhor. Ainda há dias, em conversa com o José Luís [Zapatero], ele confidenciou-me que os companheiros da Prisa se querem ver livres da TVI.
Clone do primeiro-ministro – Mas…mas, isto não vai dar nas vistas? Há por aí muita gente que anda vigilante, a ver se pomos o pé um ramo verde, se nos metemos em trapalhadas. Não vão associar a PT ao Estado, o Estado ao governo, e daí a intenção de mudarmos a linha editorial da TVI? Ainda somos acusados de asfixiar a pluralidade informativa.
Primeiro-ministro – Ó Pedro, não compliques as coisas quando elas são simples. Aposto que o Augusto já pensou em tudo, não é Augusto?
Ideólogo do regime – Acham que ando a dormir, que congemino as coisas em cima do joelho? Por algum motivo me consideram o ideólogo do regime (rematou, em pose triunfante).
Primeiro-ministro – Vá lá, não passes das marcas. O artista da companhia sou eu (advertiu, incomodado, sentindo ali um desejo de partilha de protagonismo que o seu imenso narcisismo achava inadmissível).
Ideólogo do regime – Longe de mim, longe de mim, senhor primeiro-ministro. Sabe que a minha lealdade é inquestionável. Eu pensei as coisas da seguinte maneira: mandamos instruções ao Granadeiro para negociar com os espanhóis a compra de uma grande fatia da TVI. E instruímos o Granadeiro para se fazer de inocente, desmentindo as negociações.
Clone do primeiro-ministro – E quando formos encostados às cordas no parlamento? Apesar de fraquinhas, as oposições não andam a dormir. Temo que isto seja um trunfo para as oposições.
Ideólogo do regime – Não sejas inocente. Nessa altura desmentimos tudo. Aqui o Zé puxa da sua imensa capacidade retórica, aquela capacidade que só ele tem para contar uma patranha com o ar de quem conta a maior das verdades, com o ar ofendido de quem não admite que lhe chamem mentiroso. Como podem as oposições provar que estamos a mentir? É a palavra deles contra a nossa. Assim como assim, o povo português sabe distinguir quem tem credibilidade – e somos nós que a temos, não as fraquinhas oposições.
Primeiro-ministro – Tens a certeza, Augusto, que o povo português confia na nossa credibilidade?
Ideólogo do regime – Eu sei do que falo. De cátedra.
Primeiro-ministro – Está combinada a estratégia. Até me cresce água na boca só de imaginar o dia em que o Moniz e a consorte deixarem a TVI. Nesse dia, este país será um lugar idílico: teremos toda a comunicação social na mão. Por fim, calaremos as vozes dos palermas que não percebem a nossa imensa qualidade.
Clone do primeiro-ministro – Bate tudo certo. A estratégia parece infalível.
Primeiro-ministro – É bom que seja. Tenho mesmo que ganhar as eleições. É que já andei lá fora a sondar a possibilidade de fazer carreira internacional. Tudo gente estúpida: ninguém mostrou interesse que eu chefiasse uma qualquer organização internacional. Pedro, telefona ao Granadeiro.
1 comentário:
Algo me diz que o Dia Radical te anda a inspirar o tipo de escrita! :-)
CC
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