4.6.09

Punhos de renda


Há ali uma espessura aristocrática que não engana. Parecem levitar. Os demais, os que pedem meças aos pergaminhos, arrastam as enormes patorras pelo chão. Como arrastam os maus modos. Arrotam alarvidades. Às refeições, inclinam os cotovelos sobre a mesa. Cultivam as formas populares de cultura, um pavoroso hino à anti-estética. Não conhecem a sublime beleza da música clássica, nunca quiseram assistir a uma ópera, não frequentam as galerias de arte. A aristocrática nata coincide, nos salões de arte, com uma elite radical que vive nos seus antípodas. Toleram-se pelo amor à arte.


As senhoras e senhores de punhos de renda acham tudo aquilo abjecto. (E aí também sou convergente com eles.) A sua muito delicada educação é um rosário de bons modos. São os penhores da "etiqueta". Trazem consigo um manual de "savoir être" – assim, em francês, que nobilita. Dir-se-ia tratar-se de uma gente imaculadamente perfeita. Todos os gestos muito bem pensados, abrindo mentalmente o manual de boas maneiras na página correspondente para não trair os pergaminhos e não ofender os membros da confraria.


Camisas milimetricamente engomadas; nem quando se fazem transportar de automóvel as roupas mostram uma ruga que seja, como se tivessem milagres ao alcance dos seus dedos ungidos por um perfume divino. Nem um cabelo fora do sítio em penteados que parecem esculturas moldadas por artistas plásticos, não por cabeleireiros. E a etiqueta, ah, a etiqueta! Lídimos exemplares dos holofotes que se deitam sobre a aparência, sem cuidarem de olhar além da fina camada exterior que oculta a verdadeira espessura. A espessura que se esconde detrás do verniz pacientemente encenado ao som do manual da etiqueta. É uma existência asséptica.


Ocasionalmente, os aduladores do género sofrem desilusões. Não lhes interessa escutar os que avisaram que além da fina camada de verniz é a frivolidade que povoa a aristocracia de punhos de renda. O pior é quando se descobrem privados vícios que desmentem o verniz para inglês ver. A existência só era asséptica, e cheia de virtudes, para os holofotes. Descem então do altar inacessível onde se fizeram erguer. Ao nível da ralé que os horroriza. Mas nem então são da ralé.


O mundo dos punhos de renda é um mundo faz-de-conta. A perpetuação de um conto de fadas que enfeitiça seguidores e aspirantes, um numeroso exército de arrivistas sociais que inveja o estatuto. Uma assombração para os líricos da igualdade, desmentindo os modelos que ambicionam. Pois a nobreza (como estalão social) tem o seu prolongamento na vestimenta reinventada à maneira dos tempos modernos. Um anacronismo, no fim de contas. Fazem gala dos pergaminhos, como se houvesse ali o divino reconhecimento de um estatuto invejável. Pelos punhos de renda sai a assinatura que os cauciona como bússolas que norteiam as massas. Podem as massas insistir, na sua tremenda ignorância, ou apenas numa inocente teimosia, em renegar os ensinamentos gratuitos da nata aristocrática. Um mal que chega por bem: mantém os privilégios numa casta restrita.


Adoro vê-los repugnados com comportamentos detestáveis, os comportamentos que são a antítese do manual de boas maneiras que os aristocratas trazem sempre consigo. Acenam a cabeça em tom reprovador. Não conseguem esconder um esgar de náusea. Alguns simplesmente olham para o lado, horrorizados com o ultraje. Os mais espontâneos proferem comentário censurador. Como se fossem educadores – e, afinal, fazem-no numa pedagógica veia, gratuita.


É quando os vejo, repugnados pela ralé que resvala para os antípodas do "saber estar", que apetece engrossar a maré onde campeia a ralé contumaz. Só para ver crescer a onda da "reprovação social", essa coisa tão importante e que move todas as montanhas (acreditam os aristocratas, empenhados na sua imensa vacuidade).


Às vezes apetece pegar nos punhos de renda e massajá-los na lama. Para os incensar.

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