17.6.09

Devo andar distraído, ou o presidente da república tem pouco jeito para a função?


Há gente que não nasceu para desempenhar certos papéis. Cavaco, por mais grave que seja a pose, para assim se cobrir de respeitabilidade institucional, não é um corpo talhado para aquela solene fatiota. Aqui vai um deslize que me põe a jeito da crítica (até arrostar com o rótulo de "fascismo social"): a falta de berço não tem emenda.


A alternativa também não é simpática para sua excelência: trata-se de incontinência verbal. Falta saber se o é espontânea, ou se corresponde a uma estratégia dos seus conselheiros. Neste caso, maus conselheiros o rodeiam. E fraco é o discernimento de sua excelência, que podia colocar os conselheiros em sentido se fizesse ver que os deslizes opinativos o prejudicam na função em que está. Se a incontinência verbal ganhou carta de alforria em relação aos mestres da comunicação com o exterior, fica provado como é actor errado para o papel.


Nos últimos tempos o senhor presidente tem escorregado para o chinelo. Foi na Turquia, com graçolas que revelaram a falta de jeito para ser humorista. Cavaco é daquelas pessoas que, por mais que se esforce, não sabe contar anedotas (é como aqueles engraçados que se ficam a rir das anedotas que contam, perante o ar perplexo dos ouvintes). Uns dias mais tarde chamou a imprensa para revelar detalhes da sua vida financeira, só para se ter a noção que sua excelência não abocanhou lucros duvidosos com as poupanças canalizadas para o banco abcesso, o BPN. Agora perorou sobre a transferência exorbitante de um futebolista seu patrício para o Real Madrid. Sua excelência anda tão desocupado, ou despreocupado com as más andanças do mundo, que até lhe sobra tempo para comentar o fait divers. Um presidente eclético.


Interessava saber dos descaminhos das poupanças do senhor presidente e da "sua Maria"? Por este andar, só faltava vir mostrar extractos bancários para se saber onde o casal presidencial colocou as suas poupanças e, já agora, quanto conseguiram amealhar durante uma vida de trabalho. Cavaco põe-se a jeito dos bisbilhoteiros profissionais que adoram vasculhar na vida alheia. Começou pelas finanças do casal presidencial; onde irá isto parar? Por imperativos de sanidade mental, da minha parte peço, encarecidamente, que nos poupem outros detalhes de vida em família (o que lêem, a música que ouvem, as telenovelas a que assistem à refeição, os hábitos de alimentação, e por aí fora). Um dia destes o "índice Cavaco" seria mais um índice a juntar-se aos que medem a temperatura da bolsa de valores: as suas poupanças teriam um valor ajustado dia atrás de dia. Não havia transparência maior: os súbditos saberiam todos os dias o montante do aforro amealhado pelo casal presidencial.


De deslize em deslize, o senhor presidente da república também tem ideias próprias sobre a muito cara transferência de um futebolista lusitano. O pior é que, misturando papéis, Cavaco até confessou não ser "especialista em futebol". Então fala com que conhecimento de causa? Outra interrogação que ficou sobre a minha cabeça: e por acaso as milionárias (ou não) transferências de futebol são competência presidencial? Quem ali falava era Cavaco o economista – apesar da comunicação social que o desafiou, a maldita, a comentar o assunto estar convencida que era sua excelência o presidente da república. Cavaco, o economista keynesiano, desconfia do mercado. Pois o que se passou naquela transferência foi uma transacção que resultou da vontade de quem vendeu e de quem comprou o jogador como mercadoria. Ora se o comprador quis pagar o preço e ele foi aceite pelo vendedor, que raio de moralidade têm políticos pelo mundo fora para aparecerem, no papel de virgens pudicas, a censurar o negócio?


Até me podem dizer que a comparação que vou usar a seguir é despojada de sentido, mas lá vai ela: inquietam-me mais os muitos milhões que vão ser enterrados em mega obras públicas do que com a, no entender de um numeroso coro, obscena transferência de um jogador de futebol. O dinheiro pago pelo clube comprador não vem dos meus impostos. Se não concordar com obras públicas faraónicas e, mesmo assim, dinheiro dos meus impostos seja a elas destinado, que posso eu fazer para além da resignação que nos educam?


Fico à espera que sua excelência comente, com a mesma indignação, o despautério dos megalómanos projectos de investimento que estão a sair do forno. Keynesiano como é, devo esperar sentado.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tanto quanto sei, os jogadores da bola são equiparados a atletas de alta competição, por isso com vida contributiva breve, o que significa um tratamento diferenciado (bem menor) em termos contributivos... tanto quanto sei, os 94 milhões (?) passarão por esse sistema financeiro descredibilizado que tem sido necessário suportar com o dinheiro dos contribuintes... o que não sei, mas vou presumir liricamente a inocência, é da forma como o clube angariou esse milhões... etc, etc, etc

PS.: Para quê escrever contribuindo para o descrédito de figuras institucionais?

MLV