12.6.09

Quantas cores vêem uns olhos?


Chegam as cores de um arco-íris? Não. Os olhos deitam-se numa paleta de cores muito mais rica. Reinventam o arco-íris, se necessário for. Até recriam as cores, se formos mais ambiciosos. A certa altura, as cores já não são adquiridas. E já nada é certo. Nem o verde é verde, ou o violeta que se confunde com o azul. As cores que uns olhos vêem são diferentes das cores que outros olhos decantam.


Não interessa se o dia nasceu luminescente. Ou se traz consigo um cobertor de densas nuvens que esconde o dia que podia ser soalheiro. As cores que uns olhos percebem são cores, seja na alvorada que irrompe com os primeiros raios de sol, ou na taciturna escuridão de dias de invernia sem fim. Os olhos sagram as cores que por si se filtram na sua pureza. Nos contrafortes da luz que se insinua entre espelhos vários, são os olhos seus intérpretes. Alimentam-se da luz que os invade, como se as cores fossem seu oxigénio vivificante. Dir-se-ia: os olhos foram criados para serem intrépidos intermediários das cores que nos chegam.


Pois o que seria das cores sem os olhos? Dirão, a cegueira. O mergulho numa escuridão assombrosa, onde nem sequer vultos têm forma. Ou talvez não: as trevas, na sua cor negra, revelam ao menos a negra cor, uma cor. Todavia, não conseguem uns olhos vidrados pela cegueira ungir-se com a policromia que enriquece o mundo. As desgraças, todas as desgraças, alimentam um coro de lamentações. Trazemos a misericórdia pela mão quando pela frente surge uma desgraça pessoal. Não sei se a maior das desgraças é ter uns olhos incapazes de agraciar a textura das cores.


Mas as cores não são um retrato inerte, uma coisa só a todos os olhos que as depuram. Onde uns olhos vêem verde outros sentem azul. Ou a claridade das cores, e a sua espessura, que se alteram quando são exaltadas por olhos diferentes. É quando chegam os tiranetes das convenções. Ensaiam fixar as cores na sua imperturbável rigidez. Nem que por aí espezinhem a liberdade de uns olhos lerem uma tonalidade diferente, ainda que só esses olhos arremetam contra a maré. A minha liberdade sublima-se quando me é dado a saber que há outros olhos que vêem cores diferentes dos meus olhos. Esse é o maior dom: aprender, com os olhos de outros, que as cores que víamos eram apenas uma ofuscada cortina que toldava tonalidades por descobrir.


À ambição soberana de com uns olhos acordados partir em demanda das cores inteiras do mundo: deixemos que a voz dessa ambição se faça ouvir. Há cores nunca depuradas. E o pior é que as cores que chegam através de imagens filtradas por filmes ou fotografias não conseguem captar as cores na dimensão que têm. É preciso que os olhos visitem esses lugares para verem as cores como elas são. Em cada dia que se deita atrás do sol-posto há mais cores que ficaram reservadas ao trono do saber. Cores que se revelaram, mas apenas um aperitivo para as infinitas cores que os olhos têm ainda para travar conhecimento.


Quantas cores vêem uns olhos, pois? O melhor é tirar daí a ideia. Quem consegue contar os números até ao infinito? Não é dever dos olhos catalogarem as cores, como se fossem arquivistas de memórias visuais enquistadas na poeira do tempo. Uns olhos encantam-se com as cores que posam diante de si. Se preciso for, regressam às cores de outrora como se fossem cores ainda virgens. Nem que seja para saberem que as cores se desmultiplicam em números ilusórios.


Mas o que interessa essa contabilidade, se toda a contabilidade é mesquinha? Não há mesquinhez que pertença ao domínio dos sentidos. Nem as cores são contáveis.

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