Depende. Se forem trabalhadores de uma empresa que está à beira da falência, ou de uma empresa que por causa da crise teve que despedir muitos trabalhadores, está-se a convencionar que os trabalhadores podem sitiar os patrões dentro das instalações da empresa. Sem que este sequestro possa ser considerado crime.
Por cá, algumas esquerdas mais radicais andam entusiasmadas com a ideia. Pelos jornais transpiram peças, de jornalistas empenhados numa militância política activa que lhes retira objectividade jornalística, que descrevem com embevecimento o que se passa em França. Eu fico um pouco confuso com esta subjectividade na aplicação das leis. Não sei se das esquerdas radicais me é permitido o seguinte diagnóstico sem apanhar com os habituais rótulos de "fascista" ou, o que por estes dias é ainda pior, "neo-liberal": isto cheira-me a arbitrariedade.
É verdade que as leis laborais consagram um tratamento de favor para o trabalhador, pois o trabalhador é a "parte mais fraca" e as leis devem estar ao lado dos desvalidos. Todavia, admitir que os trabalhadores podem aprisionar os patrões dentro da empresa sem que os tribunais julguem o acto como crime, abre um precedente muito perigoso. Qualquer dia, o homicídio de patrões será justificável. Haverá assassinos a passear no meio de nós, todos ufanos porque fizeram justiça revolucionária. Por este andar, haveremos de ver as leis mudadas só para contemplar a impunidade dos trabalhadores.
A extrema-esquerda chique ensina a nova moralidade. Vai a reboque da crise, atirando-se ao nefando capitalismo, à globalização sem rosto humano e, como não podia deixar de ser, ao "neo-liberalismo" (que ainda não vi satisfatoriamente definido) para açambarcar a nova moralidade reinante. E ai de quem conteste os pregões carregados da moral acertada, que logo leva com o rótulo de "imoral". O mundo dá muitas, e curiosas, cambalhotas. Quem diria? Os que sempre defenderam o relativismo moral, hoje tão senhores das suas certezas (as certezas muito convenientes para o catecismo ideológico que apregoam), ungindo o mundo com uma moralidade. Uma moralidade que, para todos os efeitos, é a negação do relativismo moral por onde sempre andaram. Quem disse que nunca estamos a tempo de mudar de ideias?
Lamento que eu a extrema-esquerda caviar já não tenhamos a única coisa que tínhamos em comum. Dantes, ao menos coincidíamos na defesa do relativismo. Agora já não estou acompanhado por eles. Sobra-me uma reconfortante sensação. É que sempre me afastei de moralistas e dos moralismos por eles professados. Quando vejo o fradesco líder da facção perorar, com aquele ar beato, vomitando as verdades absolutas que ninguém devia ter a ousadia de contestar, tenho um prazer indescritível para me situar nos antípodas daquela moral que é tão indeclinável como enjoativa. O prazer irrenunciável de palmilhar os caminhos, pecaminosos caminhos, da imoralidade.
Talvez sejam as reminiscências da formação jurídica (que renego, mas que está enraizada). As reminiscências que afloram à superfície e relembram que as leis são "gerais e abstractas". Decifrando: que são aplicadas da mesma maneira a toda a gente, sem fazer distinções entre a gente a que se aplicam. Era o que mais faltava que aos trabalhadores fossem admitidos crimes que não lhes são tolerados se forem praticados pelas mesmas pessoas que, num certo momento, não actuam como trabalhadores. Não sei se à extrema-esquerda caviar passa pela cabeça criminalizar a existência de empresas e de empresários. Tudo se resolvia. Não havia gananciosos empresários sem sensibilidade pelos trabalhadores ao seu serviço. Só não explicam como, na ausência dos abastados empresários, se conseguia cobrar os impostos necessários para manter as regalias de toda a populaça.
Lamento, ó gente da extrema-esquerda, mas o mundo não é uma peça de teatro de Bertolt Brecht.
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