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A
boçalidade nos rurais com parca instrução e maus modos? Desenganemo-nos. São uns
puros. Podem ser boçais, rudes, mal educados. Rostos fechados e antipatia a
rodos. Mas não perderam o rasto dos “valores”, da decência, da compaixão, da
entrega ao outro sem serem curadores de retribuições. Estivesse todo o mal nas
áreas rurais e andaríamos mais perto do apuro.
O mal
está na simulação inteira que tomou conta das grandes urbes. Tudo é artificial.
O que os citadinos nutrem uns pelos outros. Nada é descomprometido. É um vagar
de oportunismos que esvazia por dentro a essência que devia ser humana. Fingem
a sua própria felicidade, absortos nas consumições estéreis e falsamente
iludidos pela imaginada ausência das grandes consumições. Escondem-se em
fragmentos atirados para os olhos por uma tribo que ensaia os modismos do
momento, os modismos que fica mal não perfilhar. Uma dissidência, e é o
ostracismo.
O
desapego é mortal. Tanto se fala dos mitos urbanos e esquecem-se os seus
cultores do maior, e pior, dos urbanos mitos: a horda citadina, feita de
diversas tribos parcelares, um vasto lugar da heterogeneidade, uma maré
caudalosa de gente inexpressiva, indiferente a quem se senta ao lado no metro
ou atravessa a passadeira na grande avenida. O pior dos antros, ah!, esse
reside nos covis onde tribos específicas se inebriam com a vida noturna. Onde
consomem música debitada em estridentes decibéis, onde corpos apinhados se
roçam sem notarem a pulsão dos corpos tocados, onde se encharcam de substâncias
que são o fingimento da jovialidade.
Os
valores, os tradicionais valores, foram usurpados pela modernidade que
acompanhou o êxodo para as grandes cidades. O ajuntamento teve o predicado de
esvaziar as gentes, remetidas à condição de autómatos que se iludem num
arremedo de nirvana.
Eu
ouvia o discurso debruado a sobranceria e soube que o campo, e o isolamento que
ele traz, não eram para mim. Talvez seja daqueles destravados que ficaram
órfãos de “valores”. Oh, os “valores”, tão importantes para a elevação da
condição humana. Os “valores”, cobertos pelo dourado manto da objetividade.
Fosse isso possibilidade, todavia desmentida pelo genético atributo que nos faz
diferentes uns dos outros.