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A vertigem das luzes disformes enquanto
os candeeiros de rua passam pelo carro à velocidade da luz. As veredas de onde
saltam vultos que furtam o sossego. As ruas, ora desertas, ora enxameadas pelo
viver noturno. Apinhamo-nos como os desassossegados sem sono à noite. Somos nós
mesmos multidão, como se em cada um de nós houvesse uma transfiguração em múltiplos.
As pernas descompõem-se, arbitradas pelo a mais que já bebemos. Dizemos banalidades,
insanidades e coisas que irradiam uma lucidez imprevista – até nós ficamos
perplexos com as fintas ao desatino. A noite avança. Arrefece, presságio do
orvalho deposto pela madrugada que não tarda. Mas não temos frio. Avançamos com
a noite, pela noite fora. Somos seus arquitetos, convencidos que ela se não
embacia porque a consagrámos à glória. Deixamos chão para trás, o chão que
espera pelo asseio madrugador dos lixeiros, o chão onde ficam os vestígios da
folia noturna. Os pés não se cansam na digressão pelos lugares que a noite
entronizara. A visão entaramelada, com as sombras metendo-se na nitidez do
olhar, adulterava os sentidos. A certa altura, nem demos conta que a alvorada
se intrometera na luz noturna, esta decaindo na claridade. Um pouco de desorientação,
que o amanhecer deixara a penumbra adiada para outra noite que viesse a seguir.
E nem assim estávamos exangues. Poucos lugares eram os lugares secretos onde
ainda habitavam os acólitos da folia noturna. A bem dizer, vinha a despropósito
falar de “folia noturna”, pois o sol embolsara uma claridade que feria os olhos
desprotegidos. Mas essa era outra divagação a meio do nada, inócua: que
interessava se nos autoproclamávamos “foliões noturnos” se seguíamos pela manhã
fora? O cansaço demorava-se. Era como se fôssemos heróis de nós mesmos, tão admirados
com a proeza. Não demos conta quando aterrou, o cansaço. Dormíamos ao relento,
entre a gente muito apressada que, indiferente, se cruzava com os bancos do
jardim onde depuséramos os ossos. Mas mesmo no sono, por dentro dos sonhos que
vieram, o folguedo noturno não tinha um fim.
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