11.7.12

O argumento que falta para a anarquia pegar de estaca


In http://sorisomail.com/img/funcionario.jpg
(Um texto que continua a saga da sobranceria. Um texto perigoso: pois não nos ensinam que tomar a árvore pela floresta é infâmia? E perigoso porque vou lançar os cães danados sobre a casta dos funcionários públicos, ou seja, sobre quase metade da população)
Há sonhos e utopias. Obedecem a uma escala. Os sonhos têm alguma probabilidade de ocorrência. As utopias são isso mesmo – sonhos sem chão algum, uma constelação de ideias embelezadas mas em que quase ninguém cuidou de fazer a sementeira. A anarquia é uma utopia. O liberalismo (assanhado, no entender dos sacerdotes que o denunciam por causa das desigualdades que patrocina) é um sonho. Lembrei-me do liberalismo quando fui informado da lógica da batata do tribunal constitucional: os pobrezinhos dos funcionários públicos não podem ser sacrificados com o corte dos subsídios de férias e de natal para não turvar a igualdade. É admirável como a maioria dos juízes transita na miopia: só evocam a igualdade quando os funcionários públicos perdem uma regalia. Oxalá se lembrassem dos funcionários do sector privado, durante tanto tempo marginalizados das dádivas dos funcionários públicos. É que aqueles, tal como estes, também são filhos de um deus.
Em não sendo possível provar (ou, imagino, sequer insinuar) que os juízes do tribunal constitucional estavam preocupados com as suas contas bancárias e votaram contra os cortes no 13.º e no 14.º meses da malta mantida pelo Estado, a âncora tem de aportar algures. E assim entram em cena o sonho e a utopia. Pudera a utopia fazer o seu caminho. O Estado (os Estados) reduzido a escombros, na agonia do seu estertor. O quadro era esplendoroso. Sem Estado não haveria funcionários públicos. (Nem tribunal constitucional com juízes amadores naquela pose muito grave de quem se julga cioso zelador de uma relíquia que não passa de peça de museu.)
À falta de chão para a utopia, o segundo ótimo desenha-se no céu dos sonhos. Muito liberalismo para emagrecer o monstro tentacular que é o Estado. Entre despedimentos, reformas compulsivas e reconversões, um rancho de funcionários públicos deixá-lo-ia de ser. E como aos sonhos e menos às utopias ainda ninguém se lembrou de fazer descer a pesada mão do fisco, vertam-se, sonhos e utopias, em forma de palavra.

1 comentário:

Milu disse...

Na minha opinião esta questão de não ter havido equidade entre os funcionários públicos e privados na perda dos subsídios é uma falácia. Quando o funcionalismo público era o céu que prometia regalias tão apetecidas, os funcionários públicos não se lembravam da equidade e de que os trabalhadores do privado podiam ser despedidos a qualquer momento, ou ter ordenados em atraso, ou ser vítimas de outras desgraças de que já lhe provei o sabor... Agora, que ter o Estado como patrão ameaça virar um inferno, agora, repito, já o querem dividir com os privados. Resumindo: Quando foi o céu, era só para os funcionários públicos, uma vez tornado inferno aqui del rei que somos todos portugueses...