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Os olhos pareciam querer
transbordar das órbitas. Trémulas, as mãos, e não era pelo frio que só existia
lá fora, no torpor da noite invernal. Com o sono não queria nada. Percorria
quilómetros dentro de casa – tentara fazê-los no relento da noite, mas estava intransigente,
a invernia.
Ele acendera incenso e espalhou-o
pela casa. Lera que tinha efeitos repousantes. O perfume do incenso começava a apoderar-se
do ambiente. Notava-se uma fina névoa que engrossava junto ao teto. Mas a
exuberância não tinha freio. Os olhos esbulhados de sono continuavam a vaguear
pela casa, num sobressalto ímpar. Já não havia nutriente para a agitação dos
sentidos. Ele sabia que o tempo viria domar a impaciência. Tinha de esperar o
tempo que fosse preciso para derrotar os efeitos funestos do nutriente
esgotado, para os domar na curva do tempo em sua espera.
Entretanto, chamara a paciência
a si. Já eram de mais as vertigens psicadélicas, as viagens imaginadas, as
coreografias ininteligíveis, as palavras desossadas de sentido. Havia o resto –
e o resto era ainda tanto que por mais que estivesse em desgaste ainda chegava.
Não tinha travão enquanto durassem os efeitos psicadélicos. Aprendera a ser sua
companhia, não fossem outros males (e piores) apoquentações maiores. Mas era
como se uma faca se espetasse fundo na carne, aquela deriva por um turbilhão
sem fundo que se visse, a transfiguração operada mercê das consumições
fermentadas numa ilegalidade. E não era a ilegalidade que importava. Era a
transfiguração, a degenerescência que cavalgava a cada intromissão pelos
cenários multicolores que eram apenas simulacros de uma coisa qualquer.
Depois de tantas consumições
espaçadas num ror de tempo, já não sabia: se a dor mais pungente era a
degradação em estado físico, ou o abismo que se saturava a cada ato que era
nutriente da degradação. Um dia acordou e apresentou a sentença: perdera a
coragem para fazer de conta. Não era vida que um pobre merecesse. Os
sentimentos, embotados por um arremedo de comiseração. Era tudo diferente. Era
o epílogo.
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