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Divagava pelo jardim, os olhos
retendo as pedras e as folhas que compunham o chão. Apurava pensamentos. Podia
ser que encontrasse inspiração para o texto que um amigo tinha encomendado para
o catálogo de uma exposição de arte impressionista. E logo a ele, que abominava
o impressionismo. Mas não se recusa um favor a um amigo que abre tantas portas
– continuava a convencer-se da ingrata tarefa, enquanto fazia contas à vida
(havia contas a pagar e o rédito da incumbência não era de desprezar).
Os passos seguiam uma cadência
lenta. O olhar perdido no firmamento aperaltado pelos calhaus e folhas levadas
pela ventania haveria de trazer inspiração. Ao longe, sentiu algazarra
infantil. Soergueu o olhar ao encontro do som estridente composto por gritaria
e risos galhardos. Havia um parque infantil cheio de crianças. Estava no seu
caminho e não se desviou. Ao início, hesitou. Ele sabe que não é dado a
multidões de petizes, à galhofa pueril, à vivacidade inocente. Admitia a falta
de sensibilidade. Não era por acaso que, à sua conta, a demografia não saía da
curva difícil em que agonizava. Ser pai não fora vocação. E não era agora, já
quase sexagenário, que a página do livro ia ser rasgada.
Sentou-se num banco a apreciar a
folia infantil que ia nos escorregas e nos baloiços. Eram para aí duas dúzias
de miúdos. Afogueados, o suor a escorrer das testas, em alguns a roupa já
encardida de tanto rebolarem no chão apinhado de poeira. De atalaia, uma mão
cheia de mães. Enquanto falavam entre si, deitavam um olho protetor às crianças
em ávida consumição de folguedo. O grupo de mães deu ao volta e estacionou
perto de onde ele se encontrava. Pôde escutar a conversa: uma rivalidade de
façanhas dos petizes, um curso rápido de puericultura, mais os planos
detalhados em cima do estirador para um porvir repleto de proezas dos meninos à
sua guarida.
Meia hora depois, cansado de
tanto berreiro e da vacuidade da converseta das senhoras, foi em demanda de
outro sítio. Percebeu. O mister da paternidade exige um desprendimento de si
que o seu egoísmo não admitia. Naquele dia, depois da amostra do jardim, não se
arrependeu de nunca ter sentido a paternidade.
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