16.9.13

Baile de máscaras


In http://suckerforvampires.files.wordpress.com/2009/09/mascaras-branca-e-preta.jpg
Onde é o baile em que os bacantes vão desfilar de máscara? A pergunta ecoava na cidade inteira, passava de boca em boca ao ritmo alucinado da ansiedade. A semana corria devagar na exata medida da incógnita que teimava. Só se sabia que era na sexta-feira, quando os foliões saíssem da escravatura que levavam à laia de trabalho. Andaram a semana inteira a preparar os disfarces. De repente o segredo diluiu-se na revelação. E depressa o lugar do baile correu de boca em boca, algumas delas salivando de ansiedade pela noite que estava para vir.
O lugar era uma fábrica antiga em escombros. Só havia gente de máscara. Ninguém ousou comparecer sem disfarce. E havia-os de todos os calibres. Carnavalescos, inventivos, burlescos, teatrais, lúdicos, fantasmagóricos, semânticos, arcaicos, animalescos, contemporâneos. Gente nova, a maioria, menos nova sem ter ainda chegado a uma idade que seja considerada velhice, e alguns que já lá estavam. Gente rica, que ostentava as máscaras mais valiosas, gente remediada a fazer de conta que estava acima dessa condição, gente pobre com os contactos certos. Tanta heterogeneidade era caução de um baile muito democrático.
O ar pesado, vindo do tabaco e de outras substâncias ilegais que andavam céleres de mão em mão, acamava a música apropriada. Era um baile de máscaras moderno, tanto como a heterogénea democraticidade da clientela, e os foliões aproveitavam o hedonismo hipnótico para fazer de conta que eram o que não conseguiam ser nos dias corridos do tempo. Consagraram-se ao hipnotismo que arquitetava os tempos modernos. As máscaras cruzavam-se neste tempo anestesiado. Ninguém conhecia ninguém – uma regra do baile era a entrada no recinto a pessoas sem companhia. E como a folia foi levada a sério, não havia um bacante que tivesse revelado a quem quer que fosse o seu disfarce.
No dia seguinte, ainda os corpos estavam transidos pela ressaca, perceberam que nunca tiraram as máscaras. As que envergavam eram outras. Apenas diferentes das que, sem darem conta, trazem nos dias corridos do tempo. Mas máscaras na mesma. Eram todos um simulacro. O baile de máscaras não passou da sagração da normalidade.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fenomenal...

Ana disse...

"Estava-se cansado de algo; esgotado, de nada."
Gilles Deleuze