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Descomprometido. Sem lugar a hesitações.
Cego. Mas não mudo, que as palavras arregimentavam-nas para declamar o vício
que não era doentio. Podia parecer que mergulharam numa consumição acrítica, de
que não davam conta. Podia parecer cegueira, daquela que se arrasta pelos
meandros da lucidez ausente. Podia parecer que tudo o resto era desestimado,
que clandestino era o mundo lá fora. Que só contavam os castelos privativos que
os albergavam – os castelos edificados na penumbra da imaginação perfilhada.
Podia parecer que estavam empenhados, no que ao penhor a ideia diz respeito.
Tudo isso seria a forma exterior de ver as coisas, mercê dos olhos também
exteriores que, por exteriores serem, não eram caução fiel.
Era apenas uma descomprometida
dependência, recíproca, consentida, sem as lacerações dos punhais que,
existissem, eram entorse da vontade. Era dependência sem hesitações. Cega, mas
de uma cegueira sadia, a que se esteia na confiança ilimitada. Era como se tudo
estivesse impecavelmente arrumado nos seus lugares, a perfeição a roçar o
espaço, como se houvesse préstimo para a perfeição. Não que isso interessasse.
Porventura era um espelho emagrecido aos olhos exteriores, incapazes de reter
os poros incandescentes por onde viajava o amplexo de sentimentos singulares.
As promessas não eram vãs; tornavam o futuro num tempo tangível. Chegavam dois
olhares que se insinuavam um no outro; eram mais falantes do que palavras mil
que fossem entoadas.
Parecia que nasceram gémeas almas. Nos
pressentimentos, nos silêncios, nas importunações – que nem a perfeição
avalizada conseguia derrotar. Mas isso era a perfeição que campeava: ao tempo
radioso seguia-se a luz tomada pela penumbra das nuvens, mas não havia em lado
algum nutrientes de melancolia. Porque havia abraços espontâneos, matéria
corpórea em doce irradiação, poros suados que confluíam em simbiose, os olhares
que eram prolixos em palavras apenas intuídas.
E havia sempre um dia que vinha depois:
o dia onde tudo crescia, onde tudo se apresentava para renovação, com o gotejar
das lágrimas mumificadas.
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