28.5.14

Fusão

You Can't Win, Charlie Brown, "Be My World", in http://www.youtube.com/watch?v=B0Z-0KmEwc0
Não é saber que segue quem. Não é saber quem usa a batuta, ou quem exorciza fantasmas (que já nem são sombra da memória). Não é saber se andamos em demanda do futuro. Podiam-nos garantir mil anos de existência, que o tempo de agora continuava a ser o que importa.
E o que importa? Abrimos a janela pela manhã e somos donos da maresia que se insinua. Somos donos do mar que beija a orla com a sua generosa beleza, o majestoso mar que amansa espíritos que se jugavam indomáveis. Somos donos. Do que nos apetecer. Quando nos apetecer. Sem peias. Sem lições de algures vociferadas por velhos guardadores de costumes, ou uma profusão de candeias que prometem emprestar uma lucidez altiva, como se estivéssemos carentes de um farol. O que importa são os passos que damos que são uma sinfonia, a síntese da fulgurante claridade das manhãs luminosas. O que interessa é que nem mesmo as manhã desanimadas, com nuvens carregadas de escuridão depondo o sol nascente, nos demovem de entrarmos na fusão dos mundos que foram parcelas de dois e agora se transfiguraram, em harmonia, para sê-lo um só.
O que interessa é deixarmos as lentes que o exterior em nós quis açambarcar, porque somos livres e deixamos o exterior no lugar a que pertence – o exterior. E corremos atrás do vento, às vezes parecendo dementes, porque na fusão dos nossos mundos convencionamos que detemos o vento entre os dedos. Para o moldarmos, na vez de arquitetos das formas, até que uma estátua formosa cresce desde a irradiação dos nossos dedos. Corremos atrás do vento porque sabemos que todas as horas são apontadas ao tempo que se consome sem se desgastar. Nunca é tarde, nem nunca deixará de ser cedo. Enquanto formos tutores do tempo, caminhando na areia alisada pela nortada ao entardecer, à medida que os olhos ditam o crepúsculo e comandam a deposição do sol no firmamento.
Pois o hoje a nós veio. E do amanhã, não curamos de saber. Pois do hoje não nos despojamos.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Gosto de música que causa emersão, de palavras com aroma a maresia, de ver o mar a nadar ao som de uma luz lavada, da fusão entre o céu e a terra…
Gosto da forma como a linha do tempo é cinzelada neste espaço.

“O Tempo, esse grande Escultor” (Marguerite Yourcenar)