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O ruído
de um avião. Ensurdecedor. Os olhos demandam o horizonte, mas não está lá nenhum
avião. Pela noite, quando as sombras se entretecem, vultos esquivam-se entre as
portadas da penumbra. Mas a rua está deserta, tal o adiantado da hora e o refúgio
a que as pessoas se abraçaram. Alguém prometia um livro encantador, mas o livro
está cheio de páginas vazias. O corpo anda sobressaltado por perseguições que são
o fadário de uma alucinação. Pode ser que os sonhos se tenham transfigurado em
carne viva. Pode ser que escapem ao inteligível. Pode ser, apenas, a loucura. A
ferrar bem fundo na carne fraca, gracejando contra os anjos que asseguram proteção
divina (por interposta pessoa).
O ruído
continua ensurdecedor. Às vezes é música, outras vezes um berbequim de um
vizinho, outras vezes o mar que se despedaça nas rochas alisadas. Mas nada
disto existe em redor. E os vultos continuam a insinuar-se na noite furtiva,
mas o lugar é deserto e a noite foi tomada, de uma ponta à outra, pelo sono. Há
livros que se dizem deslumbrantes, mas depende de quem os lê e da sua
particular lente. Os fantasmas são fantasmas, matéria não fundente, um arremedo
de fantasia de quem se desprende do tempo que há.
Pode
ser que nos interstícios da claridade se percebam avenidas que não são nítidas
aos olhos atentos. Dimensões particulares, um tempo por dentro do tempo,
alucinantemente voraz no consumo das gentes sem que elas notem na voracidade do
tempo. Não dão conta que passeiam por avenidas clandestinas, acendidas pelas
vitualhas despojadas pelos diabos que partiram para o inferno. Dizem que
devemos ter cuidado com essas avenidas clandestinas, que estão armadilhadas,
que são armadilhas letais. Dizem, sem o saber da experiência, que recusar
quando alguém nos convidar a transitar nas avenidas clandestinas. Para não
sermos sacrificados pelos sacerdotes implacáveis que forem tutores da
clandestinidade.
Um dia, alguém perguntou a uma dessas
almas caridosas se tinha provas das avenidas clandestinas. Em tendo provas, se
eram danosas para a lucidez dos homens. Atrapalhada, a alma bondosa hipotecou a
reputação ao ensaiar uma resposta que era uma não resposta, cheia de atalhos
que ocultavam o fio condutor do raciocínio. Até hoje, não há notícia das
avenidas clandestinas. Os que as continuam a fantasiar juram a pés juntos que não
são avenidas proscritas, lugares imundos que não são recomendáveis para a
visita de almas venturosas. E há até quem ajuramente que as avenidas
clandestinas, mesmo em as não havendo, são lugares melhores para o poiso humano
do que os lugares que conhecemos.
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