16.5.14

Avenida da clandestinidade

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O ruído de um avião. Ensurdecedor. Os olhos demandam o horizonte, mas não está lá nenhum avião. Pela noite, quando as sombras se entretecem, vultos esquivam-se entre as portadas da penumbra. Mas a rua está deserta, tal o adiantado da hora e o refúgio a que as pessoas se abraçaram. Alguém prometia um livro encantador, mas o livro está cheio de páginas vazias. O corpo anda sobressaltado por perseguições que são o fadário de uma alucinação. Pode ser que os sonhos se tenham transfigurado em carne viva. Pode ser que escapem ao inteligível. Pode ser, apenas, a loucura. A ferrar bem fundo na carne fraca, gracejando contra os anjos que asseguram proteção divina (por interposta pessoa).
O ruído continua ensurdecedor. Às vezes é música, outras vezes um berbequim de um vizinho, outras vezes o mar que se despedaça nas rochas alisadas. Mas nada disto existe em redor. E os vultos continuam a insinuar-se na noite furtiva, mas o lugar é deserto e a noite foi tomada, de uma ponta à outra, pelo sono. Há livros que se dizem deslumbrantes, mas depende de quem os lê e da sua particular lente. Os fantasmas são fantasmas, matéria não fundente, um arremedo de fantasia de quem se desprende do tempo que há.
Pode ser que nos interstícios da claridade se percebam avenidas que não são nítidas aos olhos atentos. Dimensões particulares, um tempo por dentro do tempo, alucinantemente voraz no consumo das gentes sem que elas notem na voracidade do tempo. Não dão conta que passeiam por avenidas clandestinas, acendidas pelas vitualhas despojadas pelos diabos que partiram para o inferno. Dizem que devemos ter cuidado com essas avenidas clandestinas, que estão armadilhadas, que são armadilhas letais. Dizem, sem o saber da experiência, que recusar quando alguém nos convidar a transitar nas avenidas clandestinas. Para não sermos sacrificados pelos sacerdotes implacáveis que forem tutores da clandestinidade.
Um dia, alguém perguntou a uma dessas almas caridosas se tinha provas das avenidas clandestinas. Em tendo provas, se eram danosas para a lucidez dos homens. Atrapalhada, a alma bondosa hipotecou a reputação ao ensaiar uma resposta que era uma não resposta, cheia de atalhos que ocultavam o fio condutor do raciocínio. Até hoje, não há notícia das avenidas clandestinas. Os que as continuam a fantasiar juram a pés juntos que não são avenidas proscritas, lugares imundos que não são recomendáveis para a visita de almas venturosas. E há até quem ajuramente que as avenidas clandestinas, mesmo em as não havendo, são lugares melhores para o poiso humano do que os lugares que conhecemos.

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