22.5.14

O verdadeiro manual da desobediência civil


Mão Morta, "Horas de Matar", in http://m.youtube.com/watch?v=mdFKmDn2bhs

Regozijem-se, ó revolucionários de velha têmpera, ó líricos entretanto convertidos à retórica radical, ó desocupados com elevada presciência baseada na repetição da história, ó pequeno exército de intelectuais arrivistas que pressagiam levantamentos populares contra a insidiosa governação que, certificam, reinstalou o fascismo em pezinhos de lã. Sacudam a poeira das vestes e abrilhantem o olhar que a esperança não tocou a finados. 

A vossa luta, afivelada em tanta verborreia sebosa, está quase a levar vencimento. Daqui, dos vossos antípodas por vos não reconhecer pergaminhos de tolerância, faço-vos um favor que não tem preço: vejam o vídeo ali em cima. Se calhar nenhum de vós, auto-proclamados lugares-tenentes do resgate da dignidade, conhece o Adolfo e os Mão Morta. É compreensível: ainda esgravatam no nostalgia dos cantautores de intervenção que fizeram as vossas pós-adolescentes delícias. Não precisam de me agradecer, que dos vossos encómios distrato. Vão ao vídeo e encantem-se com o sintético manual de desobediência civil. O Adolfo fará a diferença, pois tem audiência. Pode ser que a mensagem passe de boca em boca e uma imensa horda de descontentes reproduza a encenação do cantor. 

A certa altura, podem passar os olhos numa entrevista que o músico vai dar amanhã (no suplemento de cultura do Público). Não se intimidem quando o Adolfo reconhece o teor poético da sua linguagem. Se bem o percebo (pois que eu, ao contrário de vocês, conheço e admiro a obra do Adolfo), a mensagem não é para ser captada no seu sentido literal. Vemos no vídeo o Adolfo a disparar um revólver sobre gente bem posta e, em forma virtual, a encher de balas os mandantes que nos últimos trinta anos foram a nossa desdita. 

Mas vocês, tutores da revolta em embrião que tanto gostavam que viesse para as ruas, não se iludam: o caos é mau conselheiro. Se as armas se vulgarizassem, em comprazimento dos vossos sonhos que julgam rebeldia, nunca saberiam se amanhã seria a vossa vez de dizer adeus ao mundo. Não, não puxem os galões a uma valentia que, aposto, é soberba retórica. As balas perdidas são tremendamente injustas. E não resolvem nada, como ensina a história que alguns de vocês tanto gostam de apregoar.

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