19.5.14

Lobo solitário

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O lobo voltou a ser livre. Esteve doente. Salvaram-no, os veterinários que andam pela estepe. Para seu bem, esteve algum tempo em cativeiro. Até ficarem as feridas saradas e pronto para ser devolvido à liberdade. Agora o lobo é a sua solidão. Como sempre gostou, nómada e misantropo. Vagueia pela estepe, entregue à sua solidão. De cada vez que pressente a presença de outro animal, esconde-se numa cova (a menos que seja uma presa, que a fome exige mantimentos). Não se assusta com a solidão. Desde que se recorda de ser existência, só lembra a solidão. Talvez tivesse tido irmãos da ninhada em que nasceu, mas não se recorda. Ao menos, quando vier a morte, a solidão não será temida. Habituou-se a ser um lobo solitário. A viver imerso nessa condição. Morrer assim será a condição natural.
A troika que nos salvou da penúria foi-se embora no sábado. Foi dia de festejos (versão do governo) ou de denúncia de um embuste, com ressentimento à mistura (opção das oposições). Entre os que celebraram com champanhe, houve quem dissesse que estamos de novo por nossa conta. O mito do Portugal orgulhosamente só nunca esteve em hibernação. Regressam os pergaminhos de uma gesta que foi gloriosa no tempo pretérito, mas que agora vive esquizofrénica na pequenez a que se viu acantonada. Convençam-se as gentes que somos outra vez o lobo solitário – como se, na voracidade do mundo moderno, houvesse destes lobos solitários.
Mas o retrato é diferente. Nenhum lobo consegue vingar nesta estepe se teimar na toleima da solidão. Todos são presas e predadores. Se o lobo acreditar que pode voltar apenas a ser predador é pueril, uma ignorância do andamento dos tempos. Pode amanhecer um dia cercado por um predador mais forte, sem dar conta que num pequeno lapso de tempo pode passar de predador a presa. Caberá ao lobo solitário suplicar pela comiseração do predador. Que será seu salvador, em vez de ser seu algoz.
Talvez sejamos contumazes na aprendizagem. E ingratos. Quando o lobo solitário estiver com o mastim quase a morder no cachaço, e antes que a previsível morte tenha seu palco, substituída, espera-se, pela comiseração do predador, seremos ladário do arrependimento. Até que nos desembaracemos outra vez de quem nos ajudou a redimir. E, lambidas as feridas que se transformaram em cicatrizes, a soberba suba à juba do lobo que se considera, ufano e insano, solitário e soberano da sua vontade.

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