In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_SWQiwkq5h41klvg8C6BRxfo3-bjvHGzGTeCCkmvKW8Eud3au1golbzP6m6SVLTBLKzp5yYoD3uBxid7_SIhA-cJ4MTFZH0htfBvJf40pnL2UXue9VBapgysRHfuewXKUlRPW/s800/paula%2520teixeira%2520da%2520cruz.png
De um modismo (pelo menos, entre as
pessoas muito em moda): toda a gente um pouco mais velha é, para os mais novos,
“tio” ou “tia”. Ignoram-se os laços de sangue que autorizam o tratamento. Mas
não interessa. É um afeto que se atira para cima dos mais velhos quando recebem
o tratamento de “tio” ou “tia”. Ou apenas uma afeção de linguagem. Aliás, o
dicionário (e, ao que se percebe, as convenções) já aderiu ao modismo. Abre-se
o dicionário em demanda do vocábulo e aparece, na terceira linha, o significado
“social”: “forma de tratamento usada por
vezes para os amigos da família mais velhos”.
Nada contra o enriquecimento do
vocabulário. Aliás, suponho que os adeptos do relativismo epistemológico (nada
contra, por igual) aplaudem a abertura etimológica: pois as palavras podem
encerrar diferentes significados em diferentes contextos e, sobretudo,
consoante a vontade de quem as empunha. A gente bem posta, nata da nata do
veículo social, entronizou esta forma de tratamento. É lá com eles. Eu, que
tenho duas costelas relativistas e sou adepto da variedade etimológica que
enriquece o vocabulário, tenho – devo confessá-lo – urticária quando noto tanto
“tio” à minha volta. Até hoje, nunca fui destinatário do tratamento, o que me
enche duplamente de contentamento: os sinais de envelhecimento ainda não me
vieram visitar e não tenho ar de quem pertence (ou se julga pertencer) à “elite
social”. As duas corroborações são um bálsamo para o sono.
Juro que não é conservadorismo. Nem
preconceito social (ou até sociopatia específica conta os putativos membros da
“elite social”). Só o rigor das palavras e o seu significado, mesmo que
contextualmente flexibilizado, obriga-me a coçar as orelhas quando uma palavra
é proferida fora do contexto que a autoriza. Há os pontapés na gramática, as
lesões à sintaxe, ou o desconhecimento do significado de palavras que levam os
seus autores a atropelarem o idioma que dominam (mal). Há uns anos, um conhecido
agente desportivo, ao querer falar com pergaminhos de intelectual e, portanto,
puxando lustro ao vocabulário erudito, usou a palavra “handicap” julgando que
significava vantagem. Tudo isso se corrige com ensinamento e aquisição de
conhecimentos. E há as palavras que não fazem sentido, porque a natureza lhes
denega o sentido imputado. Isso é pior.
Ficaria irritado se alguém me tratasse
por “tio”. Pelas razões aduzidas lá atrás. E quando alguém trata por “tio”,
suponho que não se ensaie para estender o tratamento e da boca soltar-se a
palavra “pai”. Ora sabendo que os meus espermatozoides não contribuíram para o
produto final (que mete na boca a palavra “pai”), também o tratamento por “tio”
é abusivo: porque se intui que um avó andou a gastar espermatozoides fora do
matrimónio (ou que uma avó andou a recebê-los sem ser do consorte benzido por
deus).
Já não há respeito pela intimidade das
pessoas.
(Ou: é a vulgarização das palavras que
patrocina a promiscuidade etimológica, a tal ponto de o dicionário reconhecer
que “tio”, em sentido coloquial, corresponde a “uma pessoa geralmente da camada social elevada e que se comporta de
forma afetada.”)
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