Gary Jules, "Mad World", in https://www.youtube.com/watch?v=4N3N1MlvVc4
Confia-se na intuição: há uma ponte por
diante. Separa as duas margens de um rio. O rio vai tumultuoso. Nem os troncos
de árvores arrancadas ao solo inundado aplacam a ira do rio. A ponte é frágil.
Uns juncos orgulhosos metidos no caudal são o alicerce da ponte. Que treme,
amedrontada pelo rio iracundo.
Confia-se na intuição? E o que diz a
intuição? Dividida, tem duas almofadas onde repousam os vértices da hesitação.
Uma parte diz para meter os pés à ponte. Antes que se faça tarde e o rio se
encolerize. A outra parte, mais cautelosa, está paralisada pelo sobressalto. Vê
as águas caudalosas e barrentas num atropelo constante, vê os remoinhos
assassinos, vê os vestígios dos lugares que perderam ligação à margem por terem
sido invadidos pelo rio. E hesita. Receia pela sobrevivência. Sabe que não
tinha salvação se caísse ao rio impetuoso. A outra metade desconfia desta
intuição madraça. Temerária, não pede meças ao pragmatismo. O tesouro dourado
obriga a atravessar a ponte. Não quer perder o lugar a esta oportunidade. Os
sentidos afinam as garras da ousadia: não é um rio destes que tira as medidas
ao rasgo que importa. A ponte estremece quando uma árvore maior esbarra num junco.
Move-se uns centímetros na direção da corrente. As tábuas antigas rangem os
dentes. É o medo de ver extinguir-se a sua serventia. Uns parafusos
enferrujados desprendem-se das ataduras que os mantinham na solidez da
empreitada.
A metade desassombrada argumenta em sinal
de convencimento: é agora ou nunca. Os pés molhados já estão. Não podem ficar
mais se o corpo for atirado ao rio agitado – tal é o estado da lucidez. E lá
avançam os pés, velozes. O chão treme debaixo deles. A intuição despojada de impedimentos
atirou o corpo para aquela correria. Dir-se-ia, demente. Não deve demorar mais
do que uns segundos. Mas parece uma eternidade.
Foi mesmo à tangente. Como nos filmes de
aventuras (e como nos filmes de aventuras, a história acaba bem). O derradeiro
passo selou o finar da ponte. Que se esboroou em pedaços num volteio mais assanhado
do rio caudaloso. Agora, podia tratar de outros cometimentos.
A coragem é enteada da intuição.
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