Robert Wyatt, "Shipbuilding", in https://www.youtube.com/watch?v=B6T9qp9XbRY
Os limites decifram as paisagens da alma.
Elas têm a ver com o lustro que o tempo traz. Deita-se a mão à tinta da china
que merece ser usada para coroar um período. Ornamenta-se o final, ao selar o
período findo como um repositório de recompensas, um manual de lições sobre as
frondosas paisagens que enfeitam a alma.
Diz-se tudo o que convier, alto e bom
som, sem se ser refém dos sentidos não desejados das palavras. Os estados de
alma não se escondem atrás das sombras que sejam seus eclipses. As paisagens
que adornam a alma são todas de uma beleza singular. Como se fossem paisagens
só conhecidas por quem as visitou pela primeira vez, desvirginando-as da
presença humana. Não se intui que venham a ser um exclusivo do descobridor; mas
elas ficam com a marca registada de quem por elas andou pela primeira vez em
toda a humanidade. O orgulho não é pela proeza. O orgulho é por ter arrebatado à
natureza uns pedaços de paisagem que ficaram eternamente emoldurados nas
fronteiras da alma. Um pedaço de ADN.
E diz-se, outra vez a plenos pulmões,
para quem queira ouvir: a empreitada dobrou um cabo, mas não se aquieta na
formosa condição das paisagens de alma conquistadas. A inércia é um insulto às
proezas que aformoseiam a alma. Há outras paisagens – conhecidas e outras não –
para trazer à pele. Há outros lugares – uns belos, outros em que não se
descobre beleza à primeira impressão – que estão à espera de serem visitados
para tornar a alma maior que o amplexo que cobre as almas restantes. O segredo,
como ponto de partida para a viagem incessante, é não deixar as palavras
sitiadas pelas convenções, não reprimir os sentidos por temor do ultraje,
arrumar as coordenadas dentro da bússola solar e meter os pés ao caminho.
Diz-se: um período que finda é uma janela
de oportunidade que coincide com a inauguração de outro período. Se as janelas
da alma estiverem desempoeiradas, se forem alegremente contaminadas pelas
paisagens refrescantes que mestiçam a alma, saber-se-á que a charneira entre os
diferentes períodos do tempo é um filtro artificial. Espartilhar o tempo não
ajuda a compor as paisagens da alma de que irradia uma grandeza singular. Pois o
tempo é um ato contínuo.
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