Depeche Mode, "Personal Jesus", in https://www.youtube.com/watch?v=u1xrNaTO1bI
Um guru ensina as almas a terem domínio
sobre os espíritos que nelas habitam. O guru é escutado com adoração. As almas
ali presentes, que querem romper as grilhetas que as atam a vontades alheias,
bebem as palavras do guru. Como se fosse um deus. Acenam meticulosamente com a
cabeça à medida que a pregação do guru se desembrulha. Na exaltação do
raciocínio, o guru pede aos seguidores para serem entidades por dentro de si
mesmas. Não se devem acomodar às arestas vivas e traiçoeiras que são os outros
que se metem pelo caminho. Só é pena os seguidores não levarem até ao fim o
conselho do guru. Porventura, o guru deixaria de cobrar fortunas pelos seus
serviços. E deixaria de fazer da charlatanice forma de vida.
Para provar que os seguidores deixam de
ter freios exteriores, o guru encenou a ceia num descampado. Mandou uns lacaios
– sempre mudos, sempre obedientes – preparar um caminho feito com brasas de uma
fogueira. O caminho era a fogueira que fora ateada para esse propósito. Os
seguidores amesendam no chão, em pose de ioga, e comem com as mãos. Comida
macrobiótica, que o culto do espírito começa pelo que se atira para dentro do
bucho. Encantados com o lugar, com o luar que parecia propositadamente semeado
pelo guru (os aprisionados dentro de tamanho transe acreditavam na patranha),
com as delícias do repasto sensaborão, nem repararam que nas traseiras do lugar
estava a vereda que se incensava na fogueira que já era só cinzas.
A sobremesa não era um doce. Os
seguidores da seita despojar-se-iam do calçado para irem ao caminho abraseado.
Antes, o guru engenhou sermão de convencimento mental: tudo é possível, assim o
queiram as vontades que fluem no interior das mentes esbulhadas de freios. Se
ele diz que conseguem caminhar em cima das brasas, é porque conseguem. Só
faltou dizê-lo com timbre bíblico: “andarás
sobre as cinzas”. Os seguidores, qual manada bovina desapossada de livre
arbítrio, começaram a descalçar-se. Um a um. E a caminharem, sem esgar de dor,
em cima das cinzas ainda abraseadas.
Ao fim da noite, o contingente de médicos
e enfermeiros no hospital das imediações foi reforçado. Não havia braços que
chegassem para curar tantas queimaduras nos pés. Do guru, notícias três semanas
depois. Foi encontrado num aldeamento turístico de luxo no Brasil, na companhia
de umas mulatas curvilíneas, a açambarcar um churrasco gaúcho bem regado pelos
melhores vinhos. E a dizer, de si para quem houvesse de o ouvir, “olha para o que eu digo, não olhes para o
que faço”.
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