4.12.14

Nunca deixámos de ser novos



The Sound, "Silent Air", in https://www.youtube.com/watch?v=-C2ow5NrCGc
No poente, o ocaso. A luz desmaiada. Atrás vem a escuridão das horas a fio em que só os gatos não precisam de ajuda para verem. E o ocaso, por acaso tem significação senescente?
As folhas do calendário amontoam-se no lugar onde estão acamadas, já apenas um vestígio vago do tempo consumido. Parecem as caducas folhas que se desprendem das árvores tingidas pela feição outonal. Cansadas. Como o corpo se enfraquece com o correr do tempo, à medida que as memórias se encavalitam num teimoso, inútil exercício de resgate das lembranças de outrora. É essa nostalgia que fermenta a canseira dos corpos. É um ultraje ao tempo vivaz que temos entre as mãos.
O que interessa sermos servos da pequenez da nostalgia? Devemos recusar a expressa suicida “quando éramos novos”. Nunca deixámos de ser novos. Não deixamos de ser novos. A não ser quando nos apetecer, ou quando já não formos fortes para dominar a vontade que domina o que somos. Não vamos tresler os tempos que não se amaciam no relógio de ouro. Não vamos medrar numa tremenda ilusão, convencidos que agora é tudo como dantes e que as folhas do calendário não se foram desprendendo das suas anuais raízes. Vamos olhar o ocaso por cima do céu. Vamos à noite que vem depois, sem o temor reverencial da finitude. Vamos recusar o desagaste traduzido nas decadentes folhas do calendário que vão perdendo serventia (a não ser a de serem sinistras fautoras da inútil nostalgia). Pois dessa melancolia não levamos lições que valham.
Enquanto a vontade se sobrepuser à tirania do tempo deposto, somos nós os condutores da juventude, da nossa juventude. É por isso que não podemos dizer “quando éramos novos”. Ainda não deixamos de ser novos. Ainda – e enquanto formos domadores do tempo que congemina o ainda. Entronizamos a vontade soberana que recusa a funesta poeira do tempo que já teve lugar. Os olhos dessa vontade contemplam o fio do horizonte. Bem para além do ocaso que fundeia a obscuridade noturna. Nesses olhos, há sempre claridade.

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