The Sound, "Silent Air", in https://www.youtube.com/watch?v=-C2ow5NrCGc
No poente, o ocaso. A luz desmaiada.
Atrás vem a escuridão das horas a fio em que só os gatos não precisam de ajuda
para verem. E o ocaso, por acaso tem significação senescente?
As folhas do calendário amontoam-se no
lugar onde estão acamadas, já apenas um vestígio vago do tempo consumido. Parecem
as caducas folhas que se desprendem das árvores tingidas pela feição outonal.
Cansadas. Como o corpo se enfraquece com o correr do tempo, à medida que as
memórias se encavalitam num teimoso, inútil exercício de resgate das lembranças
de outrora. É essa nostalgia que fermenta a canseira dos corpos. É um ultraje
ao tempo vivaz que temos entre as mãos.
O que interessa sermos servos da pequenez
da nostalgia? Devemos recusar a expressa suicida “quando éramos novos”. Nunca
deixámos de ser novos. Não deixamos de ser novos. A não ser quando nos
apetecer, ou quando já não formos fortes para dominar a vontade que domina o
que somos. Não vamos tresler os tempos que não se amaciam no relógio de ouro.
Não vamos medrar numa tremenda ilusão, convencidos que agora é tudo como dantes
e que as folhas do calendário não se foram desprendendo das suas anuais raízes.
Vamos olhar o ocaso por cima do céu. Vamos à noite que vem depois, sem o temor
reverencial da finitude. Vamos recusar o desagaste traduzido nas decadentes
folhas do calendário que vão perdendo serventia (a não ser a de serem sinistras
fautoras da inútil nostalgia). Pois dessa melancolia não levamos lições que
valham.
Enquanto a vontade se sobrepuser à
tirania do tempo deposto, somos nós os condutores da juventude, da nossa
juventude. É por isso que não podemos dizer “quando éramos novos”. Ainda não
deixamos de ser novos. Ainda – e enquanto formos domadores do tempo que
congemina o ainda. Entronizamos a vontade soberana que recusa a funesta poeira
do tempo que já teve lugar. Os olhos dessa vontade contemplam o fio do
horizonte. Bem para além do ocaso que fundeia a obscuridade noturna. Nesses
olhos, há sempre claridade.
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