Pascal Comelade & P. J. Harvey, "Love Too Soon", in https://www.youtube.com/watch?v=Z87cA1c3M50
Os beijos espontâneos não eram o ardor de
outrora. O olhar era desviado. As mãos, frias. As palavras vazias. O tempo
suspenso. As árvores, decadentes; como se sobre elas houvesse pousado criatura
destruidora. A névoa ao entardecer fazia soar os sinos da decadência. Tudo era
um arremedo de nada. Os rostos, todos iguais. As palavras, sem sentido, como se
já nem estivesse por dentro do idioma mátrio. As mãos desciam às águas
profundas, de onde vinham lavadas em lágrimas. A nostalgia não tinha preço, a
não ser as cicatrizes que demoravam a dor. E, contudo, não conseguia ser
misericordiosa consigo mesmo. Entregava-se num campo de batalha onde as pernas
se atropelavam todas, onde não havia sentido de despojamento do ser, onde cada
um soerguia a cabeça nem que para tal tivesse de meter a mão na cabeça do mais
próximo. Às vezes julgava ser apenas uma sombra dentro de uma miragem. Adormecia
tarde. Cansada, depois de o sono lutar contra ela e a insónia estender os
lençóis para fora da cama. Adormecia tarde e contava as lágrimas que derramava
por fora da almofada. Quando sentia o coração esvanecer, sabia que se
destrancavam as portas do sono. E que na imersão do sono viriam à boca de cena
sonhos que desmentiam todo o tempo em que os olhos andavam em demanda. Esse era
um tempo vão. Um chão trémulo sobre o qual os pés escorregavam. De tantas
quedas estrepitosas, de tantas proclamações solenes que, depois, não passavam
de extemporâneas encenações, ao menos sobravam os sonhos. Tudo podia ser cedo
de mais, como depois do tempo passado dele podiam sobrar os vestígios de um
entardecer sem remédio. E sabia: que ao menos nos sonhos não era comandante da
frágil embarcação que era. Não tinha de apanhar os morangos dos campos
frondosos e depois cair doente por estarem embebidos em veneno.
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