Eels, "Novocaine for the Soul", in https://www.youtube.com/watch?v=V2yy141q8HQ
Não gosto de cerimónias públicas. Não
gosto.
É por lá que se acende o rastilho da
fogueira onde os notáveis desfilam a sua tremenda importância. Para se fazerem
notados, empurram o nariz para o topo e deixam o olhar vaguear em forma de
radar, para ver quem está (outros notáveis) e para saberem que, enquanto
notáveis que são, a sua presença não é indiferente à maralha anónima. Cobre-os
uma aura de grandiosidade. De gente que atingiu o estrelato. Não interessa
saber dos pergaminhos que os trouxeram ao estrelato. Só importa o estatuto de
notáveis.
Convivem entre si. Nem que apenas se
conheçam pela coincidência de neles coincidir o estatuto de notáveis. Enquanto
notáveis, não se podem ignorar. Seria uma deseducação do foro social. Não se
podem ignorar, nem que nunca tenham estado juntos ou falado um com o outro. Mas
falam como se fossem amigos de longa data, uma cumplicidade que medrou no
estatuto de notáveis. Falam de outras notabilidades ali ausentes, mas sobre os
quais a curiosidade de alcoviteiro, a maledicência, ou apenas a atração pelas
revistas cor-de-rosa faz deitar as atenções. Afinam a língua viperina.
Em seu redor gravita um séquito de
zés-ninguém que aspiram ao estatuto de (ao menos) pequenas notabilidades.
Prestam-se ao papel que aquece em lume brando as personalidades que precisam de
culto: são vultos que se desdobram em respeitosas genuflexões, arriscando a
conversa de circunstância na esperança de arrecadarem contactos posteriores que
abram oportunidades. Alguns notáveis aturam os arrivistas com um esgar de
impaciência, depressa os deixando na sua indiferença. Outros fazem de conta,
enquanto lhes apraz saberem que sobre eles vem um culto de personalidade feito
pelos pajens oportunistas.
Uma vez, numa casa de banho a meio de uma
festa de casamento, coincidi com uma notabilidade. Cambaleava, ébrio. Em
espampanante converseta com outro conviva, fiquei a saber que os notáveis
também têm linguagem de caserna (ao menos quando estão sob efeito de vapores
etílicos). Os notáveis também são carne e osso.
E para que não conste que me move uma
montanha de inveja, se algum dia chegar aos calcanhares de ser notabilidade (hipótese
improvável devido à irremediável sociopatia) quero o exílio numa distante Taprobana.
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