22.12.14

A vernissage dos notáveis

Eels, "Novocaine for the Soul", in https://www.youtube.com/watch?v=V2yy141q8HQ
Não gosto de cerimónias públicas. Não gosto.
É por lá que se acende o rastilho da fogueira onde os notáveis desfilam a sua tremenda importância. Para se fazerem notados, empurram o nariz para o topo e deixam o olhar vaguear em forma de radar, para ver quem está (outros notáveis) e para saberem que, enquanto notáveis que são, a sua presença não é indiferente à maralha anónima. Cobre-os uma aura de grandiosidade. De gente que atingiu o estrelato. Não interessa saber dos pergaminhos que os trouxeram ao estrelato. Só importa o estatuto de notáveis.
Convivem entre si. Nem que apenas se conheçam pela coincidência de neles coincidir o estatuto de notáveis. Enquanto notáveis, não se podem ignorar. Seria uma deseducação do foro social. Não se podem ignorar, nem que nunca tenham estado juntos ou falado um com o outro. Mas falam como se fossem amigos de longa data, uma cumplicidade que medrou no estatuto de notáveis. Falam de outras notabilidades ali ausentes, mas sobre os quais a curiosidade de alcoviteiro, a maledicência, ou apenas a atração pelas revistas cor-de-rosa faz deitar as atenções. Afinam a língua viperina.
Em seu redor gravita um séquito de zés-ninguém que aspiram ao estatuto de (ao menos) pequenas notabilidades. Prestam-se ao papel que aquece em lume brando as personalidades que precisam de culto: são vultos que se desdobram em respeitosas genuflexões, arriscando a conversa de circunstância na esperança de arrecadarem contactos posteriores que abram oportunidades. Alguns notáveis aturam os arrivistas com um esgar de impaciência, depressa os deixando na sua indiferença. Outros fazem de conta, enquanto lhes apraz saberem que sobre eles vem um culto de personalidade feito pelos pajens oportunistas.
Uma vez, numa casa de banho a meio de uma festa de casamento, coincidi com uma notabilidade. Cambaleava, ébrio. Em espampanante converseta com outro conviva, fiquei a saber que os notáveis também têm linguagem de caserna (ao menos quando estão sob efeito de vapores etílicos). Os notáveis também são carne e osso.
E para que não conste que me move uma montanha de inveja, se algum dia chegar aos calcanhares de ser notabilidade (hipótese improvável devido à irremediável sociopatia) quero o exílio numa distante Taprobana.

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