Art Department (presents Martina Topley-Bird and Mark Lanegan), "Crystalised", in https://www.youtube.com/watch?v=-zLEI9oEHwI
Um arroto sonoro no fim do repasto. Um
escarro avantajado que emporcalha as ruas. O dedo mindinho com proeminente unha
a enfiar-se na cavidade nasal para a desobstruir de cera. A flatulência, audível
ou soporífera, que traz um naco de poluição ao ar adjacente. O boçal que come à
mesa do restaurante com tamanha voracidade que – dir-se-ia – não comer há um
par de dias. O cavalheiro nada cavalheiro que não cede a passagem à senhora que
vinha a seguir. Os meninos em perfeita algazarra no restaurante, incomodando os
demais. A senhora ladina que foi à casa de chá e se esqueceu de dirigir o dedo mindinho
ao céu enquanto levava a xícara à boca. O funcionário público que demora na função
e se enfeita de trombas quando atende os utentes. A figura pública que se põe
em modo grosseiro com os jornalistas ao ser interpelado depois de visitar um “grande
amigo” na prisão. O vernáculo trivial em substituição de sinais gramaticais. A
genética falta de sentido de humor. O esteta que já não toma banho há sabe-se lá
quanto tempo. Os rapazolas que no comboio zurzem uma (dizem eles) aberração que
teve o topete de estacionar perto deles. O “não tio” que insiste em
cumprimentar a “tia” com um par de ósculos nas faces, deixando-a sem jeito ao
dobrar do ósculo. O taxista fascista que acorda sempre na penumbra e não a
larga durante a jornada. A estrela de música que recusa, com desdém, o autógrafo
a um menino deficiente. A rudeza do homem do talho, que saliva raiva nos
interstícios dos dentes cariados. O cliente do café que não pede o lanche,
ordena e com maus modos, como se o empregado do balcão fosse seu criado. As irmãs
petizes que metem os cotovelos em cima da mesa do restaurante. O comunista que
palita os dentes em público. O putativo amigo que vem da deslealdade. O patrão
que deprecia o trabalhador. O padre que exerce coação psicológica sobre o
confessor. O cientista que tomou de assalto as ideias alheias e fê-las passar
como sua descoberta. O adolescente distraído no autocarro a limpar as cavidades
nasais com o dedo indicador. E os moralistas, os moralistas de que jaez seja. A
metódica etiqueta: ou de como a tirania da etiqueta revela mais falta de chá do
que a sua omissão.
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