19.12.14

Dezoito léguas

Keep Razors Sharp, "I See Your Face", in https://www.youtube.com/watch?v=0Nb_NaM3ijg
Um mar inteiro de diferença. A tanta água de separação, maior do que promontórios escarpados. Às vezes, os antípodas parecem cinzelados nas próprias costas. As sombras enegrecem, as cortinas sobrepõem-se, o olhar perde-se na escuridão consecutiva. O corpo parece que entra em falência, sem todavia falecer.
As ondas pretéritas cavalgam no estigma do tempo presente. Ou, talvez, seja o tempo presente que se refrigera com o estigma das ondas pretéritas. Seja o que for, é a distância que se estabelece. Se às vezes podem léguas imensas não chegar para serem tutoras da distância, de outras um pequeno espaço transfigura-se em distância imensa. Não importam as léguas que são, nem as léguas que as pernas atravessam no hiato entre dois corpos. A água imensa, fruto das opostas margens de um oceano, sussurra nos contrafortes do silêncio. Um silêncio que ensurdece as palavras. Um silvo ocasional, vindo de um corvo, parece romper o silêncio. Ou os olhares que se entrecruzam com escassa frequência, e que, todavia, são mantimento de palavras que se encerram nos olhares.
Ao olhar na retaguarda, vêm-se ao longe as dezoito léguas de onde o corpo veio. Quis achar cais onde pudesse ter regaço. As léguas todas saciaram a sede das palavras promitentes. Depois das léguas, das dezoito ou das que preciso fossem, tudo seria diferente. Um mão estendida. Um olhar animador. As palavras perfumadas. Uma existência que preenche a outra por dentro, na totalidade do ser. As léguas percorridas não foram em vão. O cais tinha as cambiantes de uma casa, ou de uma caixa forte onde passavam a estar alojados os nutrientes da existência. Foram dezoito léguas. Se fossem dezoito mil, elas teriam sido achamento na mesma. Para além do horizonte que o entardecer esconde, sobeja um vento corajoso que leva os corpos por uma centelha vinda da rosa dos ventos. As manhãs passaram a ser sinfonias adestradas pela batuta de um maestro metódico.
Dezoito léguas depois, o achamento de tudo. A temperança de ser totalidade por dentro do ser.

Sem comentários: