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Os bancos não tinham perdido serventia. O
povo exultava: o capitalismo finara. Passada a exaltação do momento, quando as
emoções começaram a ser refrigeradas, as ideias começaram a fazer mais sentido.
Depurados os radicalismos, o povo sábio percebeu que só fazia sentido um
mercado. Nesse mercado não seria trocado dinheiro, ou mercadorias de variada
estirpe por dinheiro. Só seriam admitidos sorrisos.
As pessoas tinham de depositar os
sorrisos num banco de ditos cujos. Seriam os sorrisos a ditar a abastança (não
material, porém) dos depositantes. Os sorrisos seriam objeto de inventariação,
a que se seguiria a classificação por um comité de sábios na matéria. Para as
pessoas saberem o valor das diferentes estirpes de sorrisos. Uns haveriam de
ser mais válidos para a troca (os mais raros). Outros seriam menos valorizados,
os mais abundantes entre o povo. Para o sistema não personificar a lógica
materialista do capitalismo defunto, os sorrisos mais abundantes não podiam ser
prejudicados por esse atributo. O sorriso mais lhano podia ser trocado por
sorrisos menos abundantes e procurados por quem quisesse experimentar o
valimento de sorrisos raros.
Os sorrisos seráficos e os sorrisos
cínicos, por serem a feição de sorrisos ardilosos, teriam residual valor. Os
sorrisos descomprometidos, aqueles sorrisos abertos e espontâneos, captados
magistralmente por câmaras fotográficas, valeriam o ouro. Os sorrisos
amarelecidos, forjados à custa de tanto serem esboçados, teriam crédito à troca
por sorrisos esbanjadores, eles sinónimos de despojamento completo. Os sorrisos
maliciosos seriam valorizados numa base casuística: a entidade reguladora,
presidida pelos maiores peritos da especialidade, teria de determinar se atrás
de um sorriso malicioso se escondiam boas ou más intenções (e se, entre estas,
apenas se estava a falar de lúbricas intenções, momento em que imediatamente o
sorriso seria metido na categoria dos sorrisos bons).
De tanto esquadrinharem a feição dos
sorrisos exteriorizados por rostos de tão diferente expressividade,
perdoava-se, aos peritos da entidade reguladora do mercado dos sorrisos, que
fossem rostos empedernidos, com a musculatura facial inerme e, por isso, imune
ao sorriso. Seriam os únicos, na doce ditadura democrática do sorriso à força
de lei, a não serem punidos por sorriso contumaz. Os cidadãos comuns teriam de
andar nas ruas e na intimidade das casas a esbracejar sorrisos em sinal de
próspera alegria imaterial. Sem discussão de causa, a UNESCO sentenciaria o
sorriso como património imaterial da humanidade. A infelicidade passaria a ser
motivo de degredo.
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