The Black Keys, “Tighten Up”,
in https://www.youtube.com/watch?v=mpaPBCBjSVc
As palavras mais duras são as que se escrevem no xisto.
As palavras que magoam. As que magoam quem as escreve. E as que são escritas
para magoar alguém. São as palavras penosas. Que fluem com a dor de quem corta
a carne e vê sangrar a angústia reprimida. Precisam de ser cinzeladas em chão escarpado.
Precisam de ter um chão que dê luta, para que as palavras penosas tenham ainda
mais custo antes de serem nascidas.
Escolhe-se pedra dura como alfabeto dessas palavras.
Pois são palavras contingentes, palavras ultraje, palavras que apoucam,
palavras que entristecem, palavras que sorvem a inteireza desde de dentro. Não podem
ser escritas de ânimo leve. Não podem ter, como chão de fundo, a macieza que as
faça escorrer com uma presteza que não combina com a severidade das palavras.
Por isso, ficam escritas em xisto. Não sei se o xisto é
a pedra mais dura, que não sou perito em geologia. Escolhe-se o xisto porque é
pedra que aparenta uma implacável textura, uma firmeza pétrea como convém
quando a gravidade é convocada para a expiação das palavras danosas. Gravá-las
em xisto é tão difícil como dizê-las. A pedra debate-se, contorce-se nos seus
interstícios à medida que o escopro a perfura. Os estorvos do xisto autorizam pensar
e repensar as palavras que se intuem na vontade de quem as confeciona. O tempo é
demorado. Propicia remorso, se a meio da função o operário da escrita das
palavras duras pressentir que elas não têm serventia.
Sendo emolduradas em xisto, estas palavras são
intemporais. Não se sabe se é vantagem ou estorvo. Dir-se-á: sendo intemporais,
elas ficam gravadas para a eternidade. Não podem ser obnubiladas das reminiscências
de quem as palavras impiedosas fizeram vítima. Mas não vem daí grande mal: pois
nem as palavras escritas na aspereza do xisto podem ter a pretensão de ser
irremediáveis. A expiação faz-se com uma emenda. Nem que seja preciso escrever,
outra vez, na rijeza de xisto outro. Para escrever as desculpas.
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