Grizzly Bear, “Two Weeks”,
in https://www.youtube.com/watch?v=tjecYugTbIQ
Correu a notícia: o
último urso habitante dos bosques à volta estava ferido. Foi um explorador
forasteiro que contou assim que chegou à cidade sobranceira ao parque natural.
Ao início, as pessoas não acreditaram. Sabiam do que o poderoso urso era capaz.
Sabiam que a velhice parecia não apoquentar o animal, e que até conhecidos
cientistas ficavam atónitos com a idade provecta do urso e de como se conseguia
preservar dos anos que pareciam não passar por ele. E as pessoas não se
esqueciam como o urso podia ser devastador se fosse provocado. Respeitavam-no.
Mais por o temerem do que por serem amigos da natureza. Não estava na natureza
de gente tão comezinha ser vigilante contra as atrocidades que ameaçassem o
habitat do parque natural.
Desta vez, havia um
fundo de verdade: o turista mostrou fotografias e um curto filme. O urso estava
magro, tristonho. O pelo baço, sinal que a doença o tinha cercado. No filme,
via-se o urso trôpego, cambaleando, cansando-se depressa. Quando a notícia
correu de boca em boca, os homens da cidade apressaram-se a marcar assembleia. Na
reunião, os olhos brilhantes da maioria anunciavam as intenções: impunha-se dar
caça ao urso. Tinham de aproveitar a fraqueza do bicho. Pois passaram tempo de
mais reféns dos humores do urso, que manteve cativa a cidade de cada vez que dela
se aproximava quando os mantimentos rareavam nos bosques.
Uma minoria de
cidadãos vociferou contra aquela mesquinhez. Protestavam contra a hipocrisia
daquela gente toda, transformada em coragem mercê do definhamento do animal. Queriam
que a natureza seguisse o seu curso: se a senescência tinha açambarcado a
vontade do urso, a morte que chegasse a seu tempo, sem o golpe de misericórdia
de corajosos forjados.
A maioria votou a
favor da montaria ao urso. Foram inúteis os apelos dos cientistas e dos
defensores do ambiente. O urso decadente já não impunha respeito. Era a vez de
os homens se vingarem, de reporem – assim diziam, profundamente apedeutas – a “ordem
natural”. Ávidos, queriam que o cadáver do urso fosse um troféu. E que as suas
caçadeiras fossem algozes.
Não foi empreitada
fácil. Por quatro dias e quatro noites bateram os confins dos bosques. Caíram
nas pistas falsas semeadas pelo urso, que, em perfeito definhamento, ainda
tinha lucidez para despistar quem lhe montara caça. Mas o urso estava exangue.
Chegara ao limite. Sabia que estava a ser perseguido – pelos homens e pela
doença sem volta. Ainda teve força para se atirar de um desfiladeiro. Preferia
o suicídio a cair às mãos dos homens da cidade sobranceira. O cadáver ficou
escondido na farta vegetação no fundo do desfiladeiro. Só duas semanas depois
encontraram a carcaça do urso. Em decomposição. Nem para troféu servia.
Até na morte o urso derrotou
os homens todos.
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