Kiasmos, “Gaunt”, in https://www.youtube.com/watch?v=8qnQCt7WEEE
Uma raridade. Os olhos marejados, expostos à maresia. Naquele
lugar, onde o mar era longínquo e, todavia, a maresia. Ou o feixe de luz
intensa que albergava os contornos da planície, embora fazendo noite e estando perdido
entre alcantiladas montanhas. O suor derramado era o caudal onde ia começar a
submersão. A hibernação imperativa, quando os cantos do mundo deixam à mostra arestas
pontiagudas.
Em submersão, não era capataz da vontade. Sentidos açambarcados
pelo lenitivo da vontade, que era concurso dos sonhos empossados. Alguns evocavam
o tempo fruído. Outros eram tangíveis ao tempo atual, parecendo a sua reprodução
com um atraso de somenos importância. Outros atiravam o corpo para um palco
turvo onde só havia trevas e vultos. Onde as linhas delimitativas dos corpos
eram trémulas, parecendo decair em sombras voláteis a cada tentativa de
aproximação. Falava-se um idioma desconhecido. E, todavia, compreendia os diálogos.
Parecia discernir as linhas fluídas escondidas atrás das trevas. As águas frias
da submersão não deixavam anestesiar os sentidos. Estavam de atalaia, por mais
que estivesse apoderado do sono conducente aos sonhos bizarros.
A meio da submersão, um aperto na jugular devido a um
sobressalto caucionado pelo sonho. Um interlúdio de lucidez, só para tirar as
medidas às circunstâncias. Depressa voltou aos campos do onírico. Depressa o
corpo foi atirado para as convulsões de outro sonho extravagante. Era como se
fosse ator a pisar múltiplos palcos, palcos paralelos com portas que consentiam
a comunicação entre eles. Em cada palco, luzes diferentes, paredes de cores
diferentes, a configuração do palco desenhada por bissetrizes diferentes. Alguns,
com gente. Num palco ele era o único habitante, convidado a um monólogo em que podia
dizer o que o contentasse, sem o estigma dos outros com quem não contracenava.
Os palcos contavam diferentes circunstâncias. As ondas
alteradas de um mar em modo tempestuoso, atirando o mar contra os paredões. Uma
corrida de motas conduzidas por adolescentes estroinas. Uma ambulância a ir recolher
feridos numa fábrica. A luta de classes – sempre a luta de classes, presente até
para quem a nega (nem que seja mercê desse efeito). Um duplo arco-íris a deixar
as pessoas extasiadas, algumas tirando fotografias à raridade. E, no fim do fio
condutor dos sonhos, o resgate do estado de submersão. Os pés de novo em adesão
ao chão quente. A admiração dos contrafortes da luz diametral, a cortar em
madeixas o néon filtrado pela janela. E o mundo inteiro lá fora. Em reversão
dos sonhos, talvez.
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