Bang Bang ft. Jay Jay
Johanson, “Two Fingers”, in https://www.youtube.com/watch?v=MxMxDzM_tuQ
(Tentativa de conto infantil)
Contaram na escola que aquela era noite das estrelas
cadentes. Os meninos estavam excitados com a promessa de uma noite com o sono
adiado pela noite dentro e com a hipótese de verem as estrelas através de um telescópio.
A menina, em contrapartida, pensava no formato da estrela cadente (ao contrário
dos outros meninos, animados com a perspetiva de uma chuva de estrelas). Antes do
fenómeno, ela já se condoía por uma estrela, a estrela da sua preferência – uma
entre a anunciada multidão condenada à decadência. Não percebia por que os
outros meninos estavam em pulgas, pois iam ser testemunhas da extrema-unção das
estrelas, antes de perecerem num funeral sem espetadores.
A menina queria saber que mal fizera a estrela da sua
preferência (uma ao calhas) para estar firmada na rota das estrelas cadentes. Queria
saber se também eram dados às estrelas os padecimentos dos mortais, a tal ponto
de também marcarem encontro com a extinção. Ou se havia um provedor das
estrelas a decidir sobre o seu fado. Queria saber mais. Não queria ser vítima
de uma patranha, das tantas que mantêm as crianças num estado pueril.
A menina tomou consciência da importância da (sua) estrela.
Tirando os peritos que as estudam em vida, as pessoas comuns só lhes dão atenção
quando acontecem fenómenos raros. Em havendo estrelas cadentes, com sumiço no
firmamento, as pessoas ficam extasiadas. Anos depois, veio a perceber o fenómeno
quando notou que as pessoas são todas boas e merecedoras de elogios quando
morrem. Foi quando soube o que significava a palavra “epitáfio”. E foi quando
intuiu que somos um pouco macabros, pois damos mais valor à morte do que à
vida.
Na noite esperada, foi com os outros meninos para o teto
da escola. Espreitou, como os outros, pela lente do telescópio. Viu como o céu
ficou cheio de uma luz formosa à passagem das estrelas cadentes. Arrepiou-se,
como os outros meninos. Mas não conseguiu pintar o rosto com encantamento, como
eles. Arrepiou-se ao ver que a estrela da sua preferência (que ela nomeou ao
calhas), desaparecera para sempre.
Anos depois, recordou-se do episódio. Mais dada à
complexidade das coisas e aos interstícios do pensamento, fez uma interrogação
em retrospetiva: e se, afinal, aquela estrela cadente nem tivesse sido estrela?
Descobriu como se pode fintar uma consumição: pois se a estrela cadente nem
estrela fora, a decadência deixava de ser hipótese em equação.
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