21.3.16

Estrela cadente

Bang Bang ft. Jay Jay Johanson, “Two Fingers”, in https://www.youtube.com/watch?v=MxMxDzM_tuQ
(Tentativa de conto infantil)
Contaram na escola que aquela era noite das estrelas cadentes. Os meninos estavam excitados com a promessa de uma noite com o sono adiado pela noite dentro e com a hipótese de verem as estrelas através de um telescópio. A menina, em contrapartida, pensava no formato da estrela cadente (ao contrário dos outros meninos, animados com a perspetiva de uma chuva de estrelas). Antes do fenómeno, ela já se condoía por uma estrela, a estrela da sua preferência – uma entre a anunciada multidão condenada à decadência. Não percebia por que os outros meninos estavam em pulgas, pois iam ser testemunhas da extrema-unção das estrelas, antes de perecerem num funeral sem espetadores.
A menina queria saber que mal fizera a estrela da sua preferência (uma ao calhas) para estar firmada na rota das estrelas cadentes. Queria saber se também eram dados às estrelas os padecimentos dos mortais, a tal ponto de também marcarem encontro com a extinção. Ou se havia um provedor das estrelas a decidir sobre o seu fado. Queria saber mais. Não queria ser vítima de uma patranha, das tantas que mantêm as crianças num estado pueril.
A menina tomou consciência da importância da (sua) estrela. Tirando os peritos que as estudam em vida, as pessoas comuns só lhes dão atenção quando acontecem fenómenos raros. Em havendo estrelas cadentes, com sumiço no firmamento, as pessoas ficam extasiadas. Anos depois, veio a perceber o fenómeno quando notou que as pessoas são todas boas e merecedoras de elogios quando morrem. Foi quando soube o que significava a palavra “epitáfio”. E foi quando intuiu que somos um pouco macabros, pois damos mais valor à morte do que à vida.
Na noite esperada, foi com os outros meninos para o teto da escola. Espreitou, como os outros, pela lente do telescópio. Viu como o céu ficou cheio de uma luz formosa à passagem das estrelas cadentes. Arrepiou-se, como os outros meninos. Mas não conseguiu pintar o rosto com encantamento, como eles. Arrepiou-se ao ver que a estrela da sua preferência (que ela nomeou ao calhas), desaparecera para sempre.
Anos depois, recordou-se do episódio. Mais dada à complexidade das coisas e aos interstícios do pensamento, fez uma interrogação em retrospetiva: e se, afinal, aquela estrela cadente nem tivesse sido estrela? Descobriu como se pode fintar uma consumição: pois se a estrela cadente nem estrela fora, a decadência deixava de ser hipótese em equação.

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