Antony and the Johnsons, “Hope There’s Someone”, in https://www.youtube.com/watch?v=Luirzce0UF8
As planícies, ligeiramente
onduladas, tinham moinhos nas cumeadas. Os moinhos brancos ostentavam fartas velas
com panos de linho amarelecidos. Naquele lugar – dizia-se – era raro chover. Muita
gente que o demandara só conhecia o dia soalheiro como testemunha. Não fazia
vento. O silêncio era profundo. Nem sequer o sibilar dos pássaros, que se
faziam notar em bandos, cortando os céus com o voar desordenado, antes de se
chegar ao lugar dos moinhos do sol.
À medida que o lugar
se entranhava, percebia-se o nome que os antigos lhe deram. Era uma homenagem
ao microclima. E um sinal de respeito pelo medo que o lugar causava. Pois
contavam-se histórias de gente destemida que se aventurara nas planícies e desaparecera.
A aridez não deixava que os raros arbustos ganhassem cor. Havia alguns catos. Muita
pedra solta. As abas dos moinhos que se moviam com a lentidão própria da aridez
do lugar. Ficava claro porque tinham os antigos construído uma linha de moinhos
a coroar as suaves encumeadas. As abas fartas dos moinhos emprestavam sombra a
quem ali fosse. Eram como um cantil de água de alguém errando no meio de um
deserto. Mas não havia indicações que precatassem os visitantes à eira dos
moinhos do sol. O lugar parecia encerrado em clandestinidade. E ninguém sabia
quem tinha levantado os moinhos.
Nos lugarejos em
redor, as pessoas não gostavam de falar sobre as planícies pontuadas pelos
moinhos de sol. Diziam, à boca pequena, ser um lugar enfeitiçado. Diziam que os
moinhos escondiam, no seu hermético interior, tesouros ricos – e que muitos
pereceram na corda da cobiça. Uns tentaram esgravatar com as mãos a terra que
amparava as fundações dos moinhos. Em vão. Encontravam pedra rija, imperscrutável.
Outros ensaiaram ousadas manobras de aproximação às janelas baças dos moinhos,
não contando com o musgo agarrado às paredes que impedia a proeza. E outros, de
congeminarem ingénuas estratégias de assalto aos moinhos enquanto puxavam pela
imaginação debaixo do sol, não deram conta de como o sol os consumia.
Ao longe, a paisagem
era bucólica. Digna de um filme de Wim Wenders, quando a câmara se arrasta
languidamente sobre o chão, fechando o plano sobre o horizonte. Uma tela que
pedia um por-de-sol a condizer. Pois, nessa altura, o sol não estava a pino e não
feria de morte. Ao entardecer, por ato de magia, as velas dos moinhos recolhiam-se
sem que ninguém as manobrasse. Era outro mistério que amedrontava os locais,
tementes que uma entidade com dons sobrenaturais inquietasse o quotidiano.
Por isso, estavam de
atalaia aos moinhos do sol. Com uma distância de segurança, não fosse o diabo coçar
o olho e deitar atenção nas terreolas que bordejavam aquele lugar embruxado.
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