11.3.16

Sete cidades

Pixies, “Gigantic” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=xJncHEZ3URs
Florença. Uma joia sublime. Feita de casario antigo, colorido, às vezes decadente. A cidade que acompanha os humores da orografia. Deitando-se nas colinas, espreitando sobre a lonjura onde se espraia a bucólica paisagem da Toscânia. Um esboço de história vivente. Um museu a tempo inteiro. E a Ponte Vecchia sobre o rio Arno: onde o tempo não tem tempo e apetece demorar o tempo que for preciso.
Londres. Apressada. Aristocrática – penhor que, mesmo a alguém a quem a aristocracia é improcedente, calha a preceito em Londres. Os esquilos em St. James Park que vêm comer à mão das pessoas. Os oradores lunáticos e os oradores inspirados com audiência no Speakers’ Corner. O mercado de Portobello aos sábados de manhã. O lamacento Tamisa, companhia enremissada quando os pés se arrastam na sua margem. A cidade tão cosmopolita que o londrino genuíno se tornou uma amálgama de culturas.
Barcelona. As ruas estreitas para lá das Ramblas, onde se escondem os segredos da cidade. A esquadria perfeita das ruas, com a bissetriz da avenida diagonal. A rutura da arquitetura de vanguarda, que convoca um olhar inconformado, um sobressalto sem sono. O pulsar extravagante das pessoas. A fartura de Barcelona quando a cidade é esquadrinhada desde o miradouro no Montjuich. As tapas. O sentido independentista na cidade plantada no mapa de Espanha que é um animal selvagem sequestrado dentro de uma jaula.
Lisboa. A luminosidade singular. O sobe e desce de ruas apertadas, o cheiro a fado na genuinidade das gentes típicas. O Tejo que se abre ao mar, fundindo-se com ele no Braço de Prata. Os elétricos, ícone celebrizado por cineastas e escritores estrangeiros que se enamoraram da cidade. Os bairros típicos, onde parece que o tempo não correu a sua marcha e um passado, imortalizado em cinema, se cristalizou.
Paris. A cidade que transpira amor por todos os poros. Nas esplanadas de café que são vivos postais ilustrados. Nos recantos de Montmartre, onde apetece escrever poemas. No rio Sena percorrido pelos bateaux-mouches, o rio levando as águas que lavam as almas. Nas ruas interiores do Quartier Latin, que escondem pequenos pedaços de éden. Na avenida dos Champs Elysées, ao descer em direção à torre Eiffel. Onde as árvores que bordejam os passeios são um tapete solene que é chão nupcial de que os amantes recolhem rudimentos para serem ainda maiores no enamoramento.
Berlim. A rigidez germânica atravessada na impassibilidade do terreno, infinitamente plano. As avenidas largas. Berlim oriental, monumental e recuperado. Berlim ocidental, pós-moderno, redesenhado. Os jardins a perder de vista, com ordenação metódica. O lado emotivo do Check Point Charlie. O simbolismo da Porta de Brandenburg. E a lembrança dos crimes da guerra-fria nos pedaços sobrantes do muro que pôs os dois lados da cidade a viver de costas voltadas.
Porto. A minha cidade, testemunha do meu parto. Granítica e rústica. A cidade do subsolo pétreo, a tal de que se dizia ser impossível albergar um metropolitano nas suas entranhas. Onde os impossíveis se transfiguram. Hoje: turística, talvez turística de mais. As pontes sucessivas que trazem Gaia até ao Porto. O abraço do Douro às duas margens, cortando uma garganta tão perto da sua foz. A cidade que encanta quando os olhos nela se deitam desde a outra margem do rio. O Porto com sede do entardecer ímpar. A cidade exagerada – ou das gentes que se exageram no diagnóstico que fazem da cidade. Ainda, o meu porto de abrigo.

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