Davendra Bahnart, “Carmensita”,
in https://www.youtube.com/watch?v=Q-ezaxiKe-Y
As metáforas mostram imagens sugestivas que dão ênfase a
uma mensagem. Contêm linguagem que remete para o simbólico, ou para o
codificado. As metáforas alisam o terreno áspero, tornando acessível o que, de
outro modo, só é acessível a peritos. Têm o condão de simplificar a mensagem,
democratizando a sua hermenêutica.
Há metáforas contundentes, que extraem do objeto metaforizado
todo o sumo que pretendem legar. E há metáforas risíveis, mostrando que os seus
fautores tropeçaram num momento infeliz quando as tiraram da cartola. Pretender
que os desafios da governação assumem impossíveis, como se de uma vaca voadora se
tratasse, vai para além de uma dimensão poética que muitos queiram ver contida
na metáfora. É uma derrapagem. Dir-se-á que na comunicação política tudo é
estudado ao milímetro, que as encenações são zelosamente montadas e que equiparar
os desafios da governação ao impossível de uma vaca voadora tem uma
intencionalidade latente. Não contesto. Não admito que o primeiro-ministro se
tenha lembrado, em cima do momento, de oferecer uma vaca voadora à ministra. Este
episódio não faz parte daqueles episódios (quase todos risíveis) de lapsos de
comunicação dos atores políticos, quando lhes sai a primeira coisa pela boca
fora e, sem surpresa, essa coisa é um disparate qualquer.
Havendo intencionalidade e um guião bem preparado, o que
talvez tenha escapado aos consultores de imagem do governo é a mensagem embebida
na metáfora da vaca voadora. Primeiro, admite-se que governar é um desafio, o
que não é novidade. (Nunca é novidade, porque se dirá, sempre, que a governação
de hoje tropeça no legado – invariavelmente mau – da governação anterior,
especialmente quando ela foi de cor política diferente. É uma metódica
desresponsabilização de quem governa, para que sejam descontados os efeitos que
vêm de trás – cumulativamente de trás.) Segundo, atirar uma vaca voadora para o
regaço de uma ministra é próprio de quem lhe diz “desembarace-se”, ou “agora
fica nas mãos de uma mítica figura sebastiânica”, ou “vamos navegar por estima,
esperando que o mar nos leve para onde quiser.”
O primeiro-ministro devia ter oferecido à ministra uma
vaca leiteira, em vez de uma vaca voadora. Se o que vem pela frente é um mar
hercúleo de desafios tangentes às impossibilidades, mais vale organizar preces
aos deuses para que estes sejam generosos na hora de distribuir equânimes doses
de sorte. Daí, a vaca leiteira. Ou então, o primeiro-ministro foi desastrado e
anunciou à pátria que já percebeu que tem uma vaca fria nas mãos. Para ver se,
pelo caminho, a pátria o vai desculpando de qualquer coisinha.