Moderat, “Last Time”, in https://www.youtube.com/watch?v=lxf05bSC17E
Um gato furtivo irrompe
entre os arbustos. Persegue uma presa, enquanto as flores que vicejam com o
fulgor da primavera olham, atentas e inertes, a caçada. O gato negro
confunde-se com a vegetação compacta, perde-se de vista. Sobra a alçada da
imaginação, que pode esboçar tantos palcos quanto o fermento da criatividade
alcança. Pode dar caução a muitos corolários da história. Pode o gato ter
apanhado a presa. Pode o gato ter-se perdido no emaranhado de arbustos que se
entretecem nos subterrâneos da vegetação. Pode o gato ter tropeçado numa
armadilha. Pode o gato ter fracassado na função e ser obrigado a procurar
alimento algures. Ou pode apenas ser o produto de um sonho. Os espelhos à
frente dos olhos ditam o veredicto.
Um espelho sozinho
devolve uma imagem nítida. Não causa dúvidas, a imagem devolvida. Mas se
esbarramos numa cortina de espelhos, com as imagens de uns a refratarem-se nos
outros, numa miríade de imagens que se multiplica exponencialmente, ficamos sem
saber que imagens são processadas pelo pensamento. No feixe de imagens
distorcidas, podemos ficar sem saber onde estamos. As imagens sobrepostas
trespassam a lucidez do olhar. Perante os fragmentos de imagens que se interrompem,
o olhar coalesce num sobressalto. E sente como se estivesse aprisionado num
labirinto apertado, sem mapa e sem encontrar a porta da saída, o corpo
desorientado aos encontrões contra as paredes estreitas do labirinto.
A cortina de espelhos
açambarca um pesar, talvez. Incendeia os palcos múltiplos onde o pensamento é
convidado a habitar, de preferência numa omnipresença impossível. O pensamento
pode responder, num ato de ousadia, dividindo-se pelos múltiplos palcos que
correspondem ao apelo da cortina de espelhos. Um pé aqui, sem demora, para logo
saltar para outro palco. Pois as imagens sobrepostas devolvidas pela cortina de
espelhos oferecem, todas elas, tributos que não podem ser desprezados.
Não pode ser, a
omnipresença. Mas pode ambicionar algo de parecido, como se fosse um nomadismo
de lugares à medida da dispersão e do caos das imagens distorcidas que estão no
banho-maria da cortina de espelhos. Sem interessar o devir do gato furtivo,
depois de se sumir pela ramagem densa atrás da caça. Pois na desordem da
cortina de espelhos, sopesam as interrogações fruídas, sem cuidar das respostas
como seu necessário contraponto.
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