Tame Impala, “Feels Like We
Only Go Backwards”, in https://www.youtube.com/watch?v=wycjnCCgUes
As cordas do violino estavam partidas e a música cansou-se.
E a menina limão, tristonha. Queria ouvir a música para os preparos da alma. O
violinista pediu desculpa, compungidamente. A menina limão nem queria ouvir
falar na devolução do dinheiro que pagara para o concerto. Ele há azares que
não merecem recompensa.
Nas escadas depois da ponte, um menino andrajoso roubou
uma velhinha que vinha das compras. Deu-lhe um safanão e a velhinha ficou estendida
no chão, com as cruzes todas quebradas. A menina limão não sabia se havia de
correr em socorro da velhinha ou atrás do rapazola ladrão para recuperar os
haveres furtados. O profundo humanismo veio ao de cima: ajoelhou-se diante da
velhinha e preparou-lhe os primeiros socorros, enquanto gritava para chamarem
uma ambulância. A velhinha ainda teve forças para uma reprimenda à menina
limão: “deixa-me lá para aqui, sua
estúpida. Corre atrás do ladrão, vá.” Afinal a velhinha era uma velha, de
tão rabugenta.
Numa manhã temporã, um homem ziguezagueante arrastava-se
pela avenida principal da cidade. Estava embriagado. As poucas pessoas que já
andavam na rua não davam atenção ao homem que acabava uma noite de boémia. O
homem perguntou a uma senhora bem-apessoada que horas eram. A senhora sentiu-se
incomodada pelo bafo alcoólico, desviou o olhar, fez um esgar de náusea e
recusou a informação, metendo os pés pelo caminho oposto. A seguir, o bêbado
abordou um motorista de autocarros que o pôs em sentido: “o senhor não tem vergonha? Olhe à sua volta: esta gente toda madrugou
para trabalhar e o senhor ainda nem sequer foi à cama e apresenta-se nesse
estado?” A menina limão ficou indignada com o ralhete. Abeirou-se do homem
que repetia o andar cambaleante e disse-lhe que horas eram, no exato momento em
que o embriagado se agarrou ao braço de uma estátua e vomitou
confrangedoramente.
A menina limão sabe que é sozinha. E sabe que não há
cordas de violino, ou atos de generosidade incompreendida, ou indignação com a
pesporrência moralizante que lhe valham. A menina limão chora todos os dias o
seu desamor. Oxalá aparecesse um homem, não precisava de ser um príncipe
perfeito, nem tão pouco príncipe, para dar resguardo ao seu imenso coração. Ao
deitar, a menina limão enxagua as lágrimas perenes que compõem o olhar. Já não
sabe o que há de fazer para derrotar os olhos marejados. Sobram-lhe os sonhos
que se desfiam durante o sono. Nos sonhos, a aura compõe-se e o mundo terrível,
o mundo que conspira contra a menina limão, tinge-se de cores acobreadas e de
um palco fantasioso, onde só há palavras gentis e trato educado.
No sono, ao menos, os olhos já não são marejados.
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