Pond, “Midnight Mass” (Live
KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=Axx9MIh4fNM
De mangas arregaçadas, que o tempo poltrão não se
recomenda. Pois a inércia é uma história fatal, um estorvo para os incómodos em
fruição pelo medo do que seja. Por mais que seja sedutor cruzar os braços e
deixar que as coisas tomem o seu curso, sendo delas passageiro sem vontade. Não
é modo de ser que apalavre encómios. É um luto sem sentido, uma contumácia de
si mesmo.
Por isso, as mangas arregaçadas despedaçam a servidão ditada
por um diadema tentacular. Os olhos demandam várias partidas e em todas elas há
frutos pendidos à espera de serem colhidos, árvores que precisam de poda heurística,
caminhos obstruídos que carecem de força braçal para serem outra vez caminhos
em sentido pleno. Ou outra empreitada qualquer, daquelas que estejam pendentes
na hipoteca do tempo procrastinado, ou daquelas que se soerguem nos dedos de um
momento. As mangas arregaçadas em homenagem ao sentido volitivo do ser, ao irredutível
namoro pela obra que se pensa e se vai fazendo, ao conhecimento insaciável, à
imperativa sagração do amor, a tudo que seja credor de serventia.
A janela do tempo desarma as peias que a mantém
encerrada numa agonia dilacerante. As mangas arregaçadas ajudam a polir a
janela corroída pela fuligem. Ajudam a apertar os parafusos em falta, sem os
quais a janela não consegue ganhar préstimo. Por demorada que seja a função,
sem arreliar a paciência que resulta metódica. As mangas arregaçam-se para
fazer a obra nascer. Para, depois da obra nascida, contemplar a claridade que
invade o quarto escancarado pelas janelas abertas. Para beber o mundo lá fora e
dar um lote de si mesmo a um mundo ávido de conhecimento.
Sem as mangas arregaçadas, somos penhorados pela letargia.
Somos posse de uma hibernação consumidora da alma. Com as mangas arregaçadas
devolve-se a essência do ser, que se embebe na grandeza que há na alma. Com as
mangas arregaçadas, o mundo lá fora transfigura-se num mundão. E somos capazes
de presumir que temos uma estatura do tamanho do mundão. Os braços à mostra,
operários incansáveis em preparos para absorver cada partícula do ar, cada
pixel da paisagem, cada aroma das palavras, cada sensação intraduzível em
palavras fermentadas na sublimidade dos sentimentos que importam.
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